Olha em redor, sem saber onde está. A náusea saboreada num esgar de dor. O ventre vazio. Para sempre. Tenta cortar o cordão umbilical com os dentes, tal a revolta da traição. A ausência do amor que a preenchia. Adormece num vómito engolido.
Ao longe "Ave Maria" de Schubert. Terá chegado ao Paraíso? É um mundo de luz, feito de azul. Veste de branco e está linda. Os cabelos cor da infância, castanho cobre, alourados pelo Sol. Levita no espaço sideral, montanhas em rios, para além do mar. A Lua Cheia no seu máximo. E é dia. A memória não dói. Não existe em pensamento, apenas numa volatilidade de almas sem corpos, em esferas líquidas de sobrenatural. Sem olhar, percorre o caminho, sem pressa. Sem saber o destino. A viagem não deixa marcas visíveis no olhar que esconde a dor. Está quase a chegar quando se apercebe dum ambiente que reconhece.
Acorda sem saber que tinha adormecido. Acorda sem querer acordar. Desperta para a realidade num doer fora de tempo. O coração acelera, as pálpebras entreabrem-se, agita-se o corpo num choro convulsivo de lamento sem perdão.
Ensaia uns passos até à paz e num sorriso indefinido, atravessa a solidão com a esperança no olhar.
É noite de Lua Cheia. E o amor permanece numa angústia por dissolver.
AnaMar