Poemas : 

Desassossego

 
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Eu que me descubro tantas vezes nos bosques da ficção, eu que dispo tantas vezes os meus sentimentos na palavra, eu que percorro todos os caminhos das emoções na pele milenar da voz escrita sem devaneios, gosto que me desassosseguem.

Gosto de sentir o roçar das palavras na minha nuca, ainda que sejam encontros de madrugadas juradas aos ventos da fantasia.

Gosto de sentir o murmúrio sensual do mar escrito em colunas sufocadas pelas vagas.

Gosto de sentir o corpo tremer, crescer, estender-se e ficar, intensamente curvado sobre a boca das palavras.

Gosto de fazer amor, beijar todos os poros, ser língua e espada, grito e adejar dolente, abrir de par em par a porta dos corpos, das almas, ser inteiro dentro e fora, no sexo ou na virtude, e ficar assim, calado, que as palavras me emudeceram a resposta.

Gosto de ficar sem palavras quando dizes todas as palavras.

Percorro-te o corpo em sinestesias de paixão, mordo-te os seios que sufocam a vida, passo-te a mão na mão da alma, tremo fazendo-te tremer, afago o sexo virtual que fazemos em lençóis amarrotados ao ritmo com que escrevemos a paixão segundo São Devaneio, entro em ti como se fosses o veneno final do apetite redescoberto, seduzo-te os sentidos porque és onda, gaivota, nuvem, falésia, e sorris o desejo com o brilho das gotas de seiva a correr.

E fico aqui, os olhos abertos à tua nudez desembaraçada, brincando com Eros na plenitude natural dos campos primaveris.

Eu sei que te desejo.

Mas há um sol que encandeia as nuvens, a chuva que apaga os regos por onde encaminhamos o desencanto unilateral de sermos apenas ficção.

 
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asv
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