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Da planície das coisas por escrever

 
Da planície das coisas por escrever nasceu um lírio
sem trono
sem tecto
sem espelhado afecto.
Nasceu parido do ventre dos lamentos e gemidos,
dos ruídos derrotados e vencidos das cigarras.
Nasceu cuspido na cara desmaiada das palavras
cruas. Maltratadas.

Da serra elevada aqui ao lado
rebolam-se nervos cardados de memórias
num rosto moreno, a navegar-se em moradas de charcos.
Barcos áureos sem rumo, sem velas, velejam-se
ao som da voz cantada.
Da voz que, cansada de si, pranta,
em longínqua estrada.

Perco-me entre o plano e o composto.
Rebusco a chama distante do teu corpo,
a lava adormecida na noite do enigma.
Busco um momento
na seiva cálida do teu gosto
na saliva lenta da renuncia a escorrer-se aberta
na esteira pálida da palavra.
Num adeus distante de gestos gastos e repetidos,
no tédio déspota dos sentidos.

Na planície acerada dos trigais,
não te encontro nem sequer me encontro mais.

Mergulho no charco pardacento, o verbo,
a palavra, o sentimento.
Na boca bafiosa sinto gelo, moribunda rosa.
No estômago o soco, o invólucro transparente do nada.
Sopra da serra um mundo agreste,
que me veste do fim e me despe do começo de mim.

Da planície das coisas por escrever,
das coisas por viver, nasceu um lírio nado-morto
a pontear de roxo um espaço devoluto de oco.

Ao longe, na boca do mar, nasce agora o Sol-posto.



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Autor
Mel de Carvalho
 
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Enviado por Tópico
Gilberto
Publicado: 27/05/2007 20:28  Atualizado: 27/05/2007 20:28
Colaborador
Usuário desde: 21/04/2007
Localidade: V.Nde GAIA-Porto
Mensagens: 1804
 Re: Da planície das coisas por escrever
Amiga Mel...
Poeticamente, este texto está soberbo!
Porém...Contém dor, sofrimento, angústia, nostalgia...
Sente-se...a dor latente, pungente.
Sente-se...sofrimento, descrença, desencanto.
No entanto, e sobretudo
E mesmo apesar de tudo...
Neste pranto, rouco e mudo
Ainda há esperança.

Belo momento poético! (10)

Beijinho


Enviado por Tópico
MariaSousa
Publicado: 27/05/2007 20:35  Atualizado: 27/05/2007 20:35
Membro de honra
Usuário desde: 03/03/2007
Localidade: Lisboa
Mensagens: 4047
 Re: Da planície das coisas por escrever
Na planície acerada dos trigais,
não te encontro nem sequer me encontro mais.

Mas nós encontramo-nos sempre aqui para eu te dizer que a tua poesia é LINDA!

Bjs