Todos nós somos iguais numa coisa nessa vida. Ricos, pobres, gordos, suecos, quenianos, altos, espinhudos, velhos, burocratas, anões, diabéticos, sãopaulinos ou soldados da legião estrangeira: recebemos um boleto a cada coisa que fazemos, ou não fazemos. Isso não é filosofia barata ou retórica de botequim, é a mais cristalina face da verdade. Tudo tem um preço, nem sempre medido por cifrões ou outro desse tipo. Portanto cada atitude feita, cada passo dado, ou não dado, será seguido de um boleto. É o acerto de contas imediado e inegociável ao qual ninguém pode escapulir ou passar a perna. Quando vemos alguém que se deu bem na vida, que está sobrevoando a carne-seca, quase sempre esquecemos de olhar as suas pegadas, o rastro que deixou ao longo da sua estrada de vida. As concessões que teve que fazer, os tantos sapos que engoliu, os remendos que precisou cerzir nos seus relacionamentos, todas as vezes em que tinha todos os motivos para chorar e foi obrigado a sorrir. Também pouco nos atemos às cicatrizes que não se pode ver, mas que estão lá, fortes como nunca. marcando o seu terreno e gritando para quem for capaz de ouvir que estão infinitivamente vivas. Essa liga que nos coloca no mesmo saco talvez seja a coisa que dá legitimidade à nossa condição humana. O resto é apenas perfumaria, de verdade. Se soubemos reconhecer a importância do boleto e termos a capacidade de conviver com as suas regras e caminhos, certamente viveremos mais felizes, com absoluta certeza.
Mas, como tudo demais nessa vida, há a contra-partida. Não são só as marcas que ficam cravadas no caminho. O boleto também é o documento incontesti de que tivemos o mérito de cumprir a tarefa. Uma prova que só nós temos de que merecemos os aplausos mais ensurdecedores desse mundo, já que fomos os vencedores na corrida da vida, que tivemos o fôlego, músculos e visão de rapina para chegarmos lá. Portanto, benditos sejam os boletos que vieram ao nosso encalço. Quantos mais aportarem em nós, melhor.