Levanto-me sorrateiramente, acendo a lareira ainda em pijama, olho a rua e as gentes que passam, poucas neste dia de chuva, é Domingo e o único movimento que se vê é este hábito matinal de ir à missa.
Apetece-me escrever, subo à cadeira e busco o caderno já gasto pelo tempo, está cheio de pó, há muito tempo que não escrevo, desde que te foste.
Antes de escrever bebo uns goles de aguardente, logo pela manhã, faz muito bem segundo os antigos...
Pego na caneta e inicio-me a escrever, uma carta de amor, como se tivesse jeito para escrever cartas de amor, enganei-me, rasgo a folha e atiro-a rumo à lareira... reinicio esta minha trabalhosa tarefa de escrever...
... estou à meia hora a tentar e só me saiu aquela banal palavra, "Amor"; estou a ficar velho para isto, estou a ficar velho para tudo, até para escrever o amor... levanto-me e vou até à varanda, está uma chuva triste num dia de Maio que parecia ser belo, fumo um cigarro enquanto observo os rostos das pessoas tristes a sair da igreja.
Ligo o rádio e coloco Amália, "Barco Negro", deixo-me levar pela sua voz, vou neste barco também, sento-me de novo e recomeço a escrever... no rádio já se ouve Carlos do Carmo "No teu poema existe um verso em branco e sem medida..." e encosto a cabeça à tua despedida enquanto as lágrimas correm rosto abaixo, porque chorar faz sempre bem principalmente quando já não aguento a tua falta... deixo-me ficar folheando o álbum de fotografias, o teu rosto calmo e o corpo perfeito vestido de branco, foste a noiva mais bonita que já vi.
Continuo sem conseguir escrever nada de jeito, o amor já não encontra nas minhas mãos a boca perfeita, só escrevo os sonhos com os dias que me restam, só te escrevo a ti com todo o silêncio que me habita... rascunhos de um conto de amor.
. façam de conta que eu não estive cá .