GRATIDÃO
Essa coisa da gratidão às vezes arranha-me os interstícios da alma, de importante que a sinto. Tenho para mim que se tivesse de focá-la numa escala de valores, ela a gratidão, mereceria o meu destaque. Naturalmente que me refiro a esse sentimento em termos genéricos, porque aferi-la em função da minha própria pessoa, do respeito que ela me merece e tem merecido nos dias da minha vida, está ai o busílis da questão. Sim, temo muitas vezes nela ter falhado, e lamento-o por senti-la um valor de primeira ordem na humanidade que vive em cada um de nós. Ao ousar entrar nos meandros deste sentimento que por vezes sacode a minha pessoa, ocorrem-me situações concretas. Algumas em que vi a gratidão nos outros; outras em que terei tido a dita de a ver perpassar por mim; e ainda outras – as que neste momento me fazem pensar – aquelas em que dela não tomei a devida nota, correspondendo na medida certa. Penetrando numa reflexão deste teor, penso como este mundo seria mais habitável se essa coisa que é gratidão funcionasse entre nós, criaturas pensantes. Mas não funciona, ou funciona mal. No que me diz respeito e a mero titulo de exemplo, ocorrem-me duas situações, justamente em relação a dois homens de quem guardo uma recordação muito cara. Tão cara que encaro este escrito como uma homenagem muito simples que ao longe no tempo lhes presto. Trata-se de duas pessoas, homens do campo, o senhor José da Lomba e o senhor Joaquim dos Urjais. Nada de muito especial, homens comuns semelhantes a uma multidão que nesse tempo dava vida às nossas aldeias. Destaco-os porque os conheci e com eles convivi desde criança, passando pela adolescência e até à idade adulta. É que nunca poderei esquecer o trato, a bonomia, a simplicidade e a humildade desses homens da terra. Pelo que eles foram para mim, pelo seu trato, pelas pessoas que eram, sentir-me-ei para sempre devedor. A grande questão que se me coloca e sei polémica, é se eles estavam certos ou errados. Num primeiro relance e na análise de homem relativamente civilizado em que me tenho, corro o risco de os julgar errados. Mas, pensando melhor e persistindo nesse pensamento, acabo por concluir, pelo menos nesta hora em que escrevo que eles afinal estariam certos. A sociedade desse tempo e deste em que estamos, é que estava e está errada. É que os atributos de que falei e de que esses homens eram portadores, só enriqueceriam este nosso tempo, marcado pela ambição, egocentrismo, sede de poder a todos os níveis e a todo o custo. Quanto a mim é essa miopia, essa inversão de valores que trouxe o caos a um mundo que perdeu o norte e nesta hora navega à deriva num mar pouco tranquilo.
Antonius