8 de Março
Mãe continua comigo
o cansaço toca-me os ombros
pesa-me o corpo
fecham-se as pálpebras
numa tentativa de paz.
Olha,
refresca-me os cabelos
com um só toque de mão
minha mãe
vou estender a roupa
podes continuar sentada
neste leito
onde todas as noites
te espero sem dormir.
9 Março
As lágrimas vieram assim
sem que eu fechasse os olhos
deslizam rápidas e quentes
em uníssono
com os sinos da tua aldeia.
É uma manhã
estranha
de cinzento azul evento
quanta
chuva nos meus olhos
minha melhor amiga
nem imaginas o que levaste de mim
quando partiste...
12 Março
Liberto-me assim
sem pensar no que escrevo
palavras letras juntas
como tu e eu éramos!
Agora,
sinto-me perdida
sem ti,
nada faz sentido.
Então, uma necessidade brutal
de te apertar contra o peito
suave acordar ao som da tua voz
quando sorrias para mim
quando para mim vivias.
As lágrimas também são nó na garganta
e no corpo
e muito principalmente
DOR
na vontade de partir em busca de ti.
A água cai
pau-sa-da-men-te
numa humidade opressiva
de cinzento quente.
É uma manhã estranha
esta
em que tento desesperadamente
não te lembrar.
Mas como posso esquecer-te, se fazes parte de mim?
(Mãe, eu não te encontro por estares tão dentro de mim?!...)
Sinto-te a pele...
...E o meu corpo febril de espera
de ti
e do verão.
Há cerejas murchas
de tanta água salgada
nos meus olhos
sem cor.
A tua imagem
recorta-se incerta
na minha memória
(tão certa que eu estou de ti
e da tua partida se regresso).
Murcham as flores;
que Primavera
que dor
que saudades de
ti, mãe.
Penso-te em cascatas de lume.
É um tempo estranho este
de dor e paixão.
Lábios rubros
sabor a maçãs
verdes
os anos
e as árvores
numa tentativa de Primavera precoce.
Em passos de dança
rolam as lágrimas
por entre nós
até ti
eu
sinto-me
tão só.
Volta, por favor.
20 De Março
O fogo das lágrimas
nos espelhos que não ousámos estilhaçar.
Lembro-te folha a folha
leve agitar de árvores
em verde
de Primavera
e
perfume.
O canto do cisne na memória do lago maldito.
Era uma vez
um jardim sem flores
que eu roubo
e
distribuo
com o olhar
sempre que te penso.
É mais uma manhã de azul e gelo.
Tanta coisa por dizer.
Misturo as palavras com as lágrimas
e já nem sei o que te diga.
Amo-te muito.
É assim
para sempre.
5 Março 1987
Rápida a sombra
alegria breve
nítido nulo...
...Invocação ao meu corpo nu
assim o meu quarto despido de ti
casa vazia
silêncio estonteante.
que saudade de ti, mãe!
7 Março 1987
Mãe, tu és o Sol
deste (meu Verão).
deste e de todos.
A dor da tua partida
em saudade sempre adiada.
Madrugadas longas
manhãs cinzentas
(a terra seca de tanta água salgada
a correr dentro do meu peito).
Sonho contigo numa espera febril
e
irreversível
MÃE DOR SAUDADE LUZ MUSICA
FIM PRAIA SORRISO MAR OLHAR
BEIJO AMIGA DISTÂNCIA SOL
CINZENTO TEMPO MÃOS VENTO
SAL LÁGRIMAS PEITO FERIDA NOITE
SOLIDÃO SEMPRE SOLIDÃO SEM TI MÃE
regressa
porque
eu
não
aguento
a dor.
AnaMar
Diário para minha mãe; 1987