Alexandra. Espera por mim. Tic-tac – o relógio nunca pára. Cada segundo que passa é uma estocada nas costas, cada segundo é, segundo me parece, segundo que me corta o interior, acredites ou não, cada segundo é assim – peso que me enluta os ombros. Tic-Tac – retumba este meu coração em ecos que se estendem sobre ponteiros que esfolam. Ponteiros de fado. Meu Deus, eu devo ser sílaba decomposta da palavra que não escrevo. Segundo a segundo, o instante imediatamente a seguir a este vem até nós. Que instante é este? Tic-tac – Alexandra, espera por mim – peço-te. Espera-me. Digo-te - que eu caio onde já caí, que eu não sei se já me esqueci. Alexandra. Enlaça-me com o teu corpo nesta tua cama e neste teu quarto – vivo, penso que sim. Enrola as tuas pernas nas minhas e dá-me calor de morfina neste torpor da madrugada. Não há ruído que nos chegue, trespasso-te porque me invades – dizes – que era assim que tinha de ser. Alexandra – tu estás. Espera por mim – só mais um pouco. Tic-tac – cada segundo mata um instante e glorifica outros de agora em diante; sensação de queda num pensamento do tamanho do comprimento daqui até àquelas luzes que pairam, às luzes que dançam trémulas na humidade – auréolas – espelhos de olhar. Só vento e passado. Rui – tu não te atires dessa ponte – imploro-te. Reviro-me num segundo tardio, creio não chegar a tempo – Rui – diz-me que ficas. Tic-tac – Alexandra, tu estás aqui e oh meu Deus, desta minha profundidade maldita segredo-te – só mais um pouco. Preciso de vir aqui – é o Rui, chama-me. Grita do alto daquela ponte. É da ponte do rio que te adorna o terraço. Alexandra – o rio que traz nas correntes as tuas raízes. A ponte de nós, ora travessia de sonho em final de tarde dos pés descalços à beira mar, ora projecção de negrume, infinito, dor e desespero. Rui – não saltes. Onde está a tua razão, Rui? Não ta vejo - serei eu incauto - então. Onde está a tua razão, permites-me amigo? Já não ta vejo por detrás desse teu olhar azul, contudo, e perdoa-me pelo meu talvez esgarrar - triste e vazio. Triste quase todos os dias – lá no secundário – lembras-te, Rui? Ouve-me Deus que não ouves - Rui. O teu olhar perdido e distante que se espraia na ilusão da liberdade. Rui – não te atires. Lá no secundário, onde os garotos se riem das tuas sapatilhas rotas e gastas, a mochila remendada, livros sujos de páginas rasgadas, que em tempos eram do teu irmão, e juro-te que já te sinto aqui, juro-te amigo. Alexandra! Por tudo - puxa-me. Já te vejo aqui, meu amigo, por detrás do teu oceano de dor que mais não é do que duas esferas azul céu e mar, teu último canto e recanto onde queres descansar – que mais não são os olhos de menino que quer gritar. De menino que quer chorar. De menino grande na ponte suspensa sobre a morte. Rui – não saltes. Alexandra – espera-me, só mais um pouco. Cada segundo assassina um instante e glorifica tantos outros. Tic-tac…