Mastiguei a vida num só dia,
Por medo de não mais haver,
De outros comerem o que havia,
Aqui, no fim do mundo, perecer.
Pequei por fome, por gula,
Por insanidade egrégia, sã,
Do papismo que não me postula
Régio fim de esperança vã.
Saqueei das almas para mim
Por saber a minha impura
Feita do chão donde vim,
Da terra livre, mal segura.
Pequei por pobreza, por luxúria,
Por maleita de febril ouro,
Condenei-me na mão firme da cúria
Deitada vil sobre meu tesouro.
Fiz meu todo o teu,
De letras ou palavras
A vida que me mereceu
Em terra que me lavras.
Pequei por esquecer, por ganância,
Ter tudo que mais te importe
De filho meu sua infância
De mundo teu toda a sorte.
Prendi o vento nas minhas velas
E adormeci no seu doce cantar,
Foi nesta manha que me revelas
Que te obriguei, Eos, a remar.
Pequei por vontade, por preguiça,
Na mesquinhez do divino abastado
Escravidão de outros, permissa,
Em dor de corpo chicoteado.
Nomeei-me deífico Apolo,
Espelho de todo o querer,
Bicho-Rei deste subsolo,
Fonte da vida, nascer.
Pequei por ser vulgar, por vaidade,
Reles instrumento, prego de cruz
Ícone morto de igreja, irmandade
Olhos que ardem nos infernos, nus.
Fiz a guerra por me zangar a paz
A terra por me cansar a vida,
Agora, desde tempos de rapaz
Sinto-me de alma perdida.
Pequei por sorrir, por ira,
Por não ser feliz neste caminho
Que me leva louco à flamante pira
Ódio alimentado nesse tanto carinho.
Roubei amor entre amantes
Seus corpos suados de sexo,
Safiras e brutos diamantes
Lapidados em formas sem nexo.
Pequei por diferença, por inveja,
Destrui de ti o que em par é igual,
Melhor que eu mais ninguém se veja
Tudo o que há, quero, ponto final.
A Poesia é o Bálsamo Harmonioso da Alma