Quem viu testemunhou tudo. Foi quase flagrante. Ele vai contar como foi como não foi.
O suspeito vinha correndo rua abaixo, transportava uma cara de medo, suava por todas as entranhas (não é exagero, parecia pingue de porco derretido) não se percebia se ele fugia ou se se escapava de alguém.
O certo é que ele ao lado do Obikwelu daria desforra. Tinha a roupa rasgada, uns ligeiros arranhões no pescoço, um ar de quem deu o que tinha a dar. A sua correria fez com que um polícia o tomasse como suspeito e desse a correr em cima dele, para interrogações. Por momentos o trânsito parou.
O agora o corredor estava tramado, fazia gincana por entre os carros parados que olhavam a cena, outros fotografavam para a posteriori. Metros adiante o suspeito deixou cair uma faca.
O polícia, por estar bem treinado, pegou na faca com um lenço para não apagar as impressões digitais, mas nem por isso perdeu avanço sobre o presumível assassino. A sua cara de vagabundo, olhando agora com mais clareza crítica, não enganava ninguém. Uns olhos de horror, uma quase morte.
Ainda tentou iludir o polícia, metendo-se por várias ruelas, mas acabou sendo detido quando o agente ligou o turbo das pernas, botando-lhe as mãos às goelas.
Entretanto, juntou-se muita população, como é costume nestes casos hollywoodescos, em burburinhos, palpitando, juntando os pedaços de história de cada um e fazendo da versão original contrafeitos.
O vagabundo estava visivelmente cansado, mal podia falar, o agente pegou nas algemas para lhe prender as mãos atrás das costas.
- Você vai ter que explicar muito bem explicadinho lá na esquadra.
O homem, no seu poder de síntese disse:
- Foi só uma facadinha!
O agente não quis saber da contra-argumentação do suspeito e levou-o, quase a empurrão, para a esquadra que ficava a dois minutos dali.
Dentro da esquadra, numa averiguação mais minuciosa, com polícias especializados em sacar confissões com métodos ortodoxos, após vinte minutos de tortura psicológica, à base de cócegas debaixo dos pés, o vagabundo não aguentou a pressão e abriu a boca para responder às perguntas que lhe foram feitas:
- Chama-se Amélia, mora na avenida dos combatentes da Grande Guerra, 2º esquerdo.
- Quantas facadas deu nela?
- Talvez umas quatro, foi o meu máximo. Nunca tinha dado tantas.
- Tem algo a acrescentar em sua defesa? – Perguntou o do ministério público.
Depois começou a contar:
- Assim que dei as facadas nela o meu arrependimento começou a gerar lava quente no meu peito, um ódio, um nojo de mim.
Eu estava sobre ela como um touro endiabrado, tapando-lhe a boca para que ela não gritasse alto, não fosse os vizinhos ouvir, ela por sua vez arranhava-me, esperneava, e isso fazia-me espetar a faca mais fundo. E eu que tinha jurado nunca pecar desta maneira. Por isso é que dei a correr como um louco, no intuito que viesse um automóvel e me fizesse uma paga. Depois do que eu fizera, eu sei que merecia a morte.
Continuou:
- No intervalo de cada facada, cada uma mais forte do que a anterior, pensava, isto não se faz Armindo joão, com tão pouco tempo de casado, um filho pequeno nos braços, e já te estás a enterrar para o resto da tua vida! És um canalha! Mas aquele clima de quem luta na lama sabia-me a bem-bom. Ver a cara dela a tornar-se vermelha, a suar sem saber o porquê da sua origem...
Os agentes especiais, sentados ao contrário em suas cadeiras, ouvindo a história como se fosse canção de embalar, tentavam recriar a cena quer em suas cabeças quer em esboços.
Passados uns largos minutos, depois de avaliada a confissão do autor do crime, o representante do ministério público, que não se escapou a um choro de pena que a história trouxe, concluiu o relatório, considerando o crime da seguinte forma:
- Facadinhas no matrimónio em forma consumada e continuada...declaro-o: Inocente!