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Tenho receio de mim

 
Estão a ouvir? Estas vozes não nos deixam em paz! Por que razões não estão a dar em malucos? Ouvem-nas, não ouvem? Ou será que sou a única a ouvi-las?
Já entendi, eu sou a única a ouvi-las. Porquê eu? Será que estas vozes realmente existem? Eu não estou bem, a minha sanidade acabou de se evaporar. Posso desabafar convosco?
Podem chamar-me louca, demente, o que quiserem, mas eu sei o que oiço. No silêncio da noite elas chamam-me, gritam por mim a pedir ajuda. Eu pergunto-lhes, sem falar, o que querem que faça, elas não me respondem. Eu volto a questioná-las, mas desta vez falo, ou melhor grito! As vozes parecem que fazem de propósito, depois de tanto gritarem na minha cabeça, fazem ecoar um silêncio profundo que me faz arrepiar até às entranhas. Então, para não ouvir o silêncio, levanto-me da cama e dirijo-me à cozinha, mais precisamente ao armário dos medicamentos. Pego nuns quantos frascos, não me interessa quais, e começo a despejar para a palma da mão uma cápsula de cada frasco. Começo a sentir-me bem, normal. Volto novamente para a cama, fecho os olhos a sorrir e, de repente, elas voltam! As vozes voltam! Eu choro. Penso que o problema sou eu, mas não encontro as razões para tal. Não entendo, não compreendo! Fiz algo de mal? O quê? Preciso de uma resposta urgentemente, não aguento mais, estou a sufocar, mas não sei de quê! Eu vejo-os. Os espíritos que me falam aos ouvidos, eles não têm uma forma definida, todos os dias são diferentes. Tenho de acender as luzes rapidamente! Já nem os medicamentos fazem efeito, já nada resulta, as vozes tornam-se imunes a tudo. Mas já que não posso extingui-las, afasto-as: ligo a aparelhagem, aos altos berros. É de noite, sim, mas os meus vizinhos também as ligam, por isso não me importo.
Não aguento mais, não consigo continuar assim, não sou feliz, não tenho ninguém, prefiro acabar com o mal pela raiz! Desta vez dirijo-me à cozinha, as vozes, mesmo com o barulho da aparelhagem, persistem, pego com impaciência numa faca e continuo a caminhar até à casa de banho, encho a banheira e desligo a aparelhagem. As vozes perguntam-me o que vou fazer, eu respondo-lhes “que logo verão”. Nua, entro na banheira cheia de água e pego na faca, concentro-me nas vozes e digo-lhes “Desta vez, não vos responderei, ouvi-vos, chegou a hora de parar de o fazer. Vocês vão ouvir o meu silêncio, não agora, mas para sempre” elas continuam a falar, mas, independentemente disso, eu sei que me ouviram. Corto os pulsos e deixo de as ouvir. Um sorriso abate-se sobre o meu rosto, penso que afinal não foi necessário morrer para parar de as ouvir, levanto-me e procuro esvaziar a água da banheira, e quando o faço, vejo o meu corpo com um sorriso nos lábios e com uma faca na mão direita. A água tornou-se sangue e o meu corpo gelou.


MarisaF.

 
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MarisaF.
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