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Lídia era uma mulher do campo como outra qualquer...

 
Lídia era uma mulher do campo como outra qualquer. Não muito alta, mas de corpo esguio, rijo, seco.

Mesmo do alto dos seus cinquenta anos, continuava a ser um belo pedaço de mulher, ou “uma boa lasca”… como diziam os velhos lá da terra.
Nem o luto carregado que fez questão de usar depois da morte de sua mãe, lhe retiraram aquela espécie de sensualidade camponesa que fazia de si a mulher mais desejada pelos viúvos da terra e arredores , mortinhos que andavam por arranjar outra mulher que substituísse a que se finara, visto que careciam de quem lhes tratasse da casa e da roupa, bem como das refeições a tempo e horas, já para não falar do resto… sim, porque afinal de contas, eles eram homens e continuavam a ter as suas necessidades!

As suas faces rosadas davam-lhe um ar saudável, talvez pela imunidade que o cálice diário de aguardente, o chamado "mata-bicho" lhe oferecia. Não o dispensava de forma alguma!

A vida dura do campo e a obrigação a que se entregou por não lhe restar outra opção se não a de ter de cuidar dos pais "entrevados", não lhe deu hipóteses de se casar com algum dos muitos pretendentes, que, atraídos pela sua beleza natural, lhe apareceram na sua já tão longínqua juventude. Pois que os seus longos cabelos loiros,entrançados e fixados no alto da nuca em forma de carrapito e os olhos de um azul céu, não deixavam margens para dúvidas.

Recordo-me de certa vez, em que a seu pedido, a minha mãe me deixou acompanha-la a uma aldeia vizinha, onde pretendia pedir um bode emprestado para que lhe cobrisse as cabras que já davam mostras de andar com o cio…
Caminhamos que nos fartamos e quando lá chegamos, procurou a casa de uma senhora da qual já não me lembro do nome, mas que já nos esperava com a merenda pronta sobre a mesa e um irmão solteirão que apareceu ali só por acaso… pena que não tenha caído nas graças de Lídia, que tratou logo de o dizer cara a cara, visto que não estava interessada e não fosse a merenda prolongar-se por muito tempo e anoitecer antes de nos fazermos de novo ao caminho.

Aquela foi a última tentativa a que Lídia se submeteu, mas que não se acanhou de recusar. Pois que eu era uma gaiata, mas já sabia distinguir o bonito do feio e o homem era pavoroso!
E lá viemos de volta, com a barriga composta, o bode preso por uma corda(que berrou o caminho todo) e a sentença impressa na folha dos destinos de uma vida, dando conta de que Lídia ficaria tal como estava, solteirinha da silva, o resto da sua vida.

Anos mais tarde, definhou abraçada à solidão que a não largou mais desde a morte do seu pai e passou até fome, por não ter ninguém que lhe chegasse um pedaço de pão com queijo e um caneco de leite, que fosse...

Um fim triste para uma mulher que se manteve fiel ao seu destino, traçado algures logo à nascença.
Lídia morreu solteira e virgem!…


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*... vivo na renovação dos sentidos, junto da antiguidade das lembranças, em frente das emoções...»

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cleo
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Enviado por Tópico
CarlosCarpinteiro
Publicado: 23/04/2009 15:30  Atualizado: 23/04/2009 15:30
Super Participativo
Usuário desde: 22/02/2007
Localidade: Mondeville
Mensagens: 196
 Re: Lídia era uma mulher do campo como outra qualquer...
Como sabe, gosto da sua maneira de escrever. No entanto considero que o unico pecado mortal que possa cometer um ser humano, é morrer virgem...

Enviado por Tópico
Tânia Mara Camargo
Publicado: 23/04/2009 18:09  Atualizado: 23/04/2009 18:09
Colaborador
Usuário desde: 11/09/2007
Localidade:
Mensagens: 4246
 Re: Lídia era uma mulher do campo como outra qualquer...
Cleo adorei! e dou suspiros de alívio,
já me casei 4 vezes e não me arrependo.
bjs

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 23/04/2009 18:25  Atualizado: 23/04/2009 18:25
 Re: Lídia era uma mulher do campo como outra qualquer...
Um texto muito bem escrito. Mas lá diz o velho ditado" Mais vale só que mal acompanhado." Diria uma vida que não viveu. A Lídia nasceu para ser escreva da vida e morreu sem a conhecer.

Obrigada pelo excelente texto.


Beijo azul...Sempre!

Enviado por Tópico
VónyFerreira
Publicado: 23/04/2009 19:31  Atualizado: 23/04/2009 19:31
Membro de honra
Usuário desde: 14/05/2008
Localidade: Leiria
Mensagens: 10301
 Re: Lídia era uma mulher do campo como outra qualquer...
Já r
tinha lido este texto à pouco e quero dizer-te Cleo que uma vez mais achei um excelente texto, Bem escrito.
Uma narrativa muito realista das vicissitudes da vida e dos lugares mais remotos do nosso País.
Beijinho
Vóny Ferreira

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 23/04/2009 20:01  Atualizado: 23/04/2009 20:01
 Re: Lídia era uma mulher do campo como outra qualquer...
Lidia, V!veu à sua maneira, feliz à sua maneira, pena não ter tido a felicidade de ter amado, e ter sido amada por um companheiro...
Lindo texto, mei ler-te mais uma vez...Jinhos T!na

Enviado por Tópico
saozinha
Publicado: 23/04/2009 20:13  Atualizado: 23/04/2009 20:13
Colaborador
Usuário desde: 09/08/2008
Localidade:
Mensagens: 1604
 Re: Lídia era uma mulher do campo como outra qualquer...
Cleo:

Um exelente relato de uma vida que só se dedicou aos outros e deu-se por inteiro para depois morrer sozinha.

Tambem me lembro de uma ou duas na minha aldeia,e este é o retrato fiel de um tempo e de um espaço.

Muito bom.

Beijo

Enviado por Tópico
cleo
Publicado: 23/04/2009 22:23  Atualizado: 23/04/2009 22:23
Usuário desde: 02/03/2007
Localidade: Queluz
Mensagens: 3731
 Re: Lídia era uma mulher do campo como outra qualquer...
Agradeço a todos quantos dispensaram um pouco do seu tempo a ler este meu texto real e que estava guardado na minha memória, ao pé de tantos outros que vos quero mostrar em breve...

Beijos

Enviado por Tópico
profeta
Publicado: 24/04/2009 09:19  Atualizado: 24/04/2009 09:19
Muito Participativo
Usuário desde: 17/09/2008
Localidade: Monte da Ribeirinha
Mensagens: 79
 Re: Lídia era uma mulher do campo como outra qualquer...
Do branco e da caneta com que lavras esses jardins de papel, plantas as palavras numa harmonia perfeita das sementes que se transformam em flôr...

Não é preciso ser "profeta" para te predizer o destino, porque os rios da premonição escorrem-te cristalinos pela palma da mão...

És um verdadeiro "mata-bicho" que se espreguiça de poesia,e eu,um previligiado por te poder "beber" sempre que posso...

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 24/04/2009 19:16  Atualizado: 24/04/2009 19:16
 Re: Lídia era uma mulher do campo como outra qualquer...
Oi cleo. Seu texto me faz lembrar de um história bem parecida, conhecida por mim aqui nestas bandas
de São Paulo.
Esta maravilhosamente escrito!
Parabéns!
Abraço
Edilson