Há na vida, razões que me são estranhas, locais e paragens onde nunca irei, tempos que passam como se não passassem, e há dias que nasceram e morreram sem que acordasse do meu sono, e o sono fosse mais real no sonho que na realidade que omiti.
Há na vida, gente que nunca se esquece, mesmo longe, mesmo na ausência dos olhares e das falas, gente que permanece guardada no coração, como se já não me pertencesse, gente que passa na vida e passa a vida sem que me toque. Depois existe a mágoa e a esperança, existem tempos e canções, existem as paixões cravadas no tempo e nas veias tingidas de um vermelho roxo, que me estremece e me confunde.
Há no meu coração, uma mansão apalaçada de quartos e salas onde guardo cada uma das minhas memórias, mulheres de corpos inteiros e outros que apenas são lábios e seios, e há mulheres que são livros e outras que apenas são um poema bordado num pequeno papel de taberna, amarrotado com nódoas do vinho que bebeste.
Nos quartos virados ao sol do amanhã, estás tu, olhos fechados, guardando o Sol que te enche, essa sensação inexplicável de mulher que sempre abre a porta a cada passo que dou, quando o coração me rói as entranhas e mergulho pelos cantos deste mundo que escrevo e sinto a cada minuto.
Às vezes procuro-te, sempre sabendo que só tu me encontras, nesse teu jeito feliz de seres mulher, quando me deixas encaracolar teu cabelo nas minhas mãos, quando me ofereces os sorrisos das pequenas coisas que me dás, na ternura com que os teus nãos me parecem sins, no espanto de te esperar nas praças velhas, onde os sorrisos são verdadeiros e os velhos vivem o passado em presentes de paz e de paciência. Depois quando o mar chega na beira da minha procura, sinto-te veleiro onde quero arriscar uma bolina forte e sem terra à vista, e percebo que nunca serás porto de chegada, mas olharás as velas comigo entendendo o vento e as suas mudanças.
Outras vezes és rio, e deixo-me conquistar, peço que me arrastes e ultrapasses e transponhas estas margens onde deixamos a pele agarrada.
E é por ti, que me revolto e não me deixo desprender desta força rebelde, é por ti que as cidades continuam a ser verdade, e os passos dos homens têm sentido. È por ti, que escrevo, que as palavras transbordam desta razão pintada da solidão, dos pensamentos que não me respondem e das perguntas que fazem doer os braços, deste peso que a tua recusa me oferece.
E é porque te entendo, que hoje te continuo a dar guarida, o teu quarto é sempre o que quiseres escolher.
Jorge