Uma fresta
Um pequeno raio de luz
Que invade meu quarto...
Se eu soubesse que o medo
Tornaria meu corpo apático
Eu teria vivido mais feliz...
E teria saboreado os dias,
As horas
E teria dito as verdades
Nas quais acreditei...
A luz embora pouca
É forte
E ilumina
Parte do meu quarto,
Parte de mim,
Uma pequena parcela
De tudo o que já fui
E do que me resta...
Se há esperança
Enalteço
O milagre de ainda pensar
De tentar arrancar de mim
Essa tênue possibilidade
De encarar a morte
E essa cama vazia
Enfeitada de sonhos não vividos...
De abraços perdidos...
De palavras de amor emudecidas...
De carinhos e atenções que foram esquecidos...
De doações e entregas que não foram entregues...
De tempos de felicidades que não foram aproveitados...
De brincadeiras, de praias, de sol, de chuva,
De flores, de frutos, de irmãos, de pai, de mãe,
De canções e poesias,
De beijos,
Que por algum motivo não se tornaram
Razões para se viver
E motivos para se lambuzar de um eterno prazer...
"Há poemas ininteligíveis nos seus elementos, porque só o poeta tem a chave que o explica; mas a explicação não é necessária para que pessoas dotadas de sensibilidade poética penetrem na intenção essencial dos versos"
Manuel Bandeira