Acordei sem nada.
Sem nada porque nem o nada acordou comigo. Acordei eu. Vazio como anfiteatros de cadeiras alinhadas a pano vermelho coçado. Esse género de vazio.
Procurei no meio das costas, na boca do estômago e no céu da boca, atrás dos olhos, no aperto da barriga, nas palmas das mãos e na ponta dos dedos. Em todos os sítios onde normalmente sinto a tua presença.
Abri a medo a segunda gaveta do meu peito. A contar de cima. Aquela que conheces bem. Aquela gaveta que tem o teu cheiro, que é a tua casa em mim, e que tu, nem sei bem porquê, costumas chamar de coração. Essa mesmo.
Mas tu não estavas lá.
Ainda levantei o sol às janelas, para que ele te brilhasse as cores. Mas não estavas mesmo lá.
A minha garganta teve vontade de gritar o teu nome mas a língua não lhe soube os contornos.
Os meus olhos tentaram olhar por dentro das gavetas do meu peito, mas só te encontraram as cinzas nas gavetas das costas.
Então fiquei a olhar o vazio.
O vazio das gavetas, o vazio das cadeiras alinhadas a pano vermelho coçado.
Fiquei a olhar o brilho do nada, a pensar em tudo.
E soube que te esqueci.
Emanuel Madalena