Poemas : 

A Segunda Gaveta

 
Acordei sem nada.
Sem nada porque nem o nada acordou comigo. Acordei eu. Vazio como anfiteatros de cadeiras alinhadas a pano vermelho coçado. Esse género de vazio.
Procurei no meio das costas, na boca do estômago e no céu da boca, atrás dos olhos, no aperto da barriga, nas palmas das mãos e na ponta dos dedos. Em todos os sítios onde normalmente sinto a tua presença.
Abri a medo a segunda gaveta do meu peito. A contar de cima. Aquela que conheces bem. Aquela gaveta que tem o teu cheiro, que é a tua casa em mim, e que tu, nem sei bem porquê, costumas chamar de coração. Essa mesmo.
Mas tu não estavas lá.
Ainda levantei o sol às janelas, para que ele te brilhasse as cores. Mas não estavas mesmo lá.
A minha garganta teve vontade de gritar o teu nome mas a língua não lhe soube os contornos.
Os meus olhos tentaram olhar por dentro das gavetas do meu peito, mas só te encontraram as cinzas nas gavetas das costas.
Então fiquei a olhar o vazio.
O vazio das gavetas, o vazio das cadeiras alinhadas a pano vermelho coçado.
Fiquei a olhar o brilho do nada, a pensar em tudo.
E soube que te esqueci.


Emanuel Madalena

 
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EmanuelMadalena
 
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Enviado por Tópico
Mel de Carvalho
Publicado: 22/05/2007 18:23  Atualizado: 22/05/2007 18:23
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 Re: A Segunda Gaveta
O vazio das gavetas, o vazio das cadeiras alinhadas a pano vermelho coçado.

Muito bonita esta forma de dizer que se fechou um capítulo. Não se esquece. Apenas se fecha um espaço para que não se aprofunde a dor.

Gostei de te ler.
Um abraço
Mel