“O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.”
Fernando Pessoa/Bernardo Soares; Autopsicografia; Publicado em 27 de Novembro de 1930
Considera-se que a grande criação estética de Pessoa foi a invenção heteronímica que atravessa toda a sua obra. Os heterónimos, diferentemente dos pseudónimos, são personalidades poéticas completas: identidades que, em princípio falsas, se tornam verdadeiras através da sua manifestação artística própria e diversa do autor original. Entre os heterónimos, o próprio Fernando Pessoa passou a ser chamado ortónimo, porquanto era a personalidade original. Entretanto, com o amadurecimento de cada uma das outras personalidades, o próprio ortónimo tornou-se apenas mais um heterónimo entre os outros.
A obra ortónimo de Pessoa passou por diferentes fases, mas envolve basicamente a procura de um certo patriotismo perdido, através de uma atitude sebastianista reinventada. O ortónimo foi profundamente influenciado, em vários momentos, por doutrinas religiosas (como a teosofia) e sociedades secretas (como a Maçonaria). A poesia resultante tem um certo ar mítico, heróico (quase épico, mas não na acepção original do termo) e por vezes trágico. Pessoa é um poeta universal, na medida em que nos foi dando, mesmo com contradições, uma visão simultaneamente múltipla e unitária da vida. É precisamente nesta tentativa de olhar o mundo duma forma múltipla (com um forte substrato de filosofia racionalista e mesmo de influência oriental) que reside uma explicação plausível para ter criado os célebres heterónimos — Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, sem contarmos ainda com o semi-heterónimo Bernardo Soares.
Bernardo é considerado um semi heterónimo por ter muitas semelhanças com Fernando Pessoa e não possuir uma personalidade muito característica, ao contrário dos três primeiros, que possuem até mesmo data de nascimento e morte (excepção para Ricardo Reis, que não possui data de falecimento - por essa razão, José Saramago, laureado com o Prémio Nobel, escreveu o livro O ano da morte de Ricardo Reis)
Através dos heterónimos, Pessoa conduziu uma profunda reflexão sobre a relação entre verdade, existência e identidade. Este último factor possui grande notabilidade na famosa misteriosidade do poeta.
Com uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou quando menos, os seus companheiros de espírito?
Entre pseudónimos, heterónimos e semi-heterónimos, contam-se 72 nomes, a saber, por ordem - aproximada - de entrada em cena)
01. Dr. Pancracio - jornalista de A PALAVRA e de O PALRADOR, contista, poeta e charadista.
02. Luís António Congo - colaborador de O PALRADOR, cronista e apresentador de Eduardo Lança.
03. Eduardo Lança - colaborador de o PALRADOR, poeta luso-brasileiro.
04. A. Francisco de Paula Angard - colaborador de o PALRADOR, autor de «textos scientificos».
05. Pedro da Silva Salles (Pad Zé) - colaborador de o PALRADOR, autor e director da secção de anedotas.
06. José Rodrigues do Valle (Scicio), - colaborador de o PALRADOR, charadista e dito «director literário».
07. Pip - colaborador de o PALRADOR, poeta humorístico, autor de anedotas e charadas, predecessor neste domínio do Dr. Pancracio.
08. Dr. Caloiro - colaborador de o PALRADOR, jornalista-repórter de «A pesca das pérolas».
09. Morris & Theodor - colaborador de o PALRADOR, charadista.
10. Diabo Azul - colaborador de o PALRADOR, charadista.
11. Parry - colaborador de o PALRADOR, charadista.
12. Gallião Pequeno - colaborador de o PALRADOR, charadista.
13. Accursio Urbano - colaborador de o PALRADOR, charadista
14. Cecília - colaborador de o PALRADOR, charadista.
15. José Rasteiro - colaborador de o PALRADOR, autor de provérbios e adivinhas.
16. Tagus - colaborador no NATAL MERCURY (Durban).
17. Adolph Moscow - colaborador de o PALRADOR, romancista, autor de «Os Rapazes de Barrowby».
18. Marvell Kisch autor de um romance anunciado em O PALRADOR, («A Riqueza de um Doido»).
19. Gabriel Keene - autor de um romance anunciado em O PALRADOR, («Em Dias de Perigo»).
20. Sableton-Kay - autor de um romance anunciado em O PALRADOR, («A Lucta Aerea»).
21.Dr. Gaudêncio Nabos - director de O PALRADOR (3.ª série), jornalista e humorista anglo-português).
22. Nympha Negra - colaborador de O PALRADOR, charadista.
23. Professor Trochee - autor de um ensaio humorístico de conselhos aos jovens poetas.
24. David Merrick - poeta, contista e dramaturgo.
25. Lucas Merrick - contista (irmão de David?).
26. Willyam Links Esk - personagem de ficção que assina uma carta num inglês defeituoso (13/4/1905).
27. Charles Robert Anon - poeta, filósofo e contista.
28. Horace James Faber - ensaísta e contista.
29. Navas - tradutor de Horace J. Faber.
30. Alexander Search - poeta e contista.
31. Charles James Search - tradutor e ensaísta (irmão de Alexander).
32. Herr Prosit - tradutor de O Estudante de Salamanca de Espronceda.
33. Jean Seul de Méluret - poeta e ensaísta em francês.
34. Pantaleão - poeta e prosador.
35. Torquato Mendes Fonseca da Cunha Rey - autor (falecido) de um escrito sem título que Pantaleão decide publicar.
36. Gomes Pipa - anunciado como colaborador de O PHOSPHORO e da Empresa Íbis como autor de «Contos políticos».
37. Íbis - personagem da infância que acompanha Pessoa até ao fim da vida nas relações com os seus íntimos que sobretudo se exprimiu de viva voz, mas também assinou poemas.
38. Joaquim Moura Costa - poeta satírico, militante republicano, colaborador de O PHOSPHORO.
39. Faustino Antunes (A. Moreira) - psicólogo, autor de um «Ensaio sobre a Intuição»).
40. António Gomes - «licenciado em philosophia pela Universidade dos Inúteis», autor da «Historia Cómica do Çapateiro Affonso».
41. Vicente Guedes - tradutor, poeta, contista da Íbis, autor de um diário.
42. Gervásio Guedes - (irmão de Vicente?) autor de um texto anunciado, «A Coroação de Jorge Quinto», em tempos de O PHOSPHORO e da Empresa Íbis.
43. Carlos Otto - poeta e autor do «Tratado de Lucta Livre».
44. Miguel Otto - irmão provável de Carlos a quem teria sido passada a incumbência da tradução do «Tratado de Lucta Livre».
45. Frederick Wyatt - poeta e prosador em inglês.
46. Rev. Walter Wyatt - irmão clérigo de Frederick?
47. Alfred Wyatt - mais um irmão Wyatt, residente em Paris.
48. Bernardo Soares - poeta e prosador.
49. António Mora - filósofo e sociólogo, teórico do Neopaganismo.
50. Sher Henay - compilador e prefaciador de uma antologia sensacionalista em inglês.
51. Ricardo Reis - HETERÓNIMO.
52. Alberto Caeiro - HETERÓNIMO.
53. Álvaro de Campos - HETERÓNIMO.
54. Barão de Teive - prosador, autor de «Educação do Stoico» e «Daphnis e Chloe».
55. Maria José - escreve e assina «A Carta da Corcunda para o Serralheiro».
56. Abílio Quaresma - personagem de Pêro Botelho e autor de contos policiais.
57. Pero Botelho - contista e autor de cartas.
58. Efbeedee Pasha - autor de «Stories» humorísticas.
59. Thomas Crosse - inglês de pendor épico-ocultista, divulgador da cultura portuguesa.
60. I.I. Crosse - coadjuvante do irmão Thomas na divulgação de Campos e Caeiro.
61. A.A. Crosse - charadista e cruzadista.
62. António de Seabra - crítico literário do sensacionismo.
63. Frederico Reis - ensaísta, irmão (ou primo?) de Ricardo Reis sobre quem escreve.
64. Diniz da Silva - autor do poema «Loucura» e colaborador de EUROPA.
65. Coelho Pacheco - poeta in ORPHEU III e na revista projectada EUROPA.
66. Raphael Baldaya - astrólogo e autor de «Tratado da Negação» e «Princípios de Metaphysica Esotérica».
67. Claude Pasteur - francês, tradutor de CADERNOS DE RECONSTRUÇÃO PAGÃ dirigidos por A. Mora.
68. João Craveiro - jornalista sidonista.
69. Henry More - autor em prosa de comunicações mediúnicas - «romances do inconsciente» como Pessoa lhes chama.
70. Wardour - poeta revelado em comunicações mediúnicas.
71. J. M. Hyslop - poeta revelado em comunicação mediúnica.
72. Vadooisf [?] - poeta revelado em comunicação mediúnica.”
Fernando António Nogueira Pessoa
(✩ 03/06/1888 — † 30/11/1935)
Autores Clássicos no Luso-Poemas