Queres fechar-me na tua arca de sonhos e eu não te digo que não. Arrastas-me para dentro dela – não luto. Para quê? Apetece-me-te. Fechas. Na tua arca. O teu asilo de loucura desmedida. A perda da perda de sentidos. Vens-te a mim com os teus movimentos de serpente, deslizas com o teu olhar até aqui, não antes de me varreres com o mesmo como quem vai arrebatar algo que só se quer para si, não antes de me atordoares assim. Libidinosa, neurótica compulsiva e mortífera. Ali estou. Corpo à tua mercê, corpo fechado na tua arca, fechado nesta tua casa demasiado confortável para aqui querer viver. Demasiado conforto assusta-me. Eu quero-me soalho de madeira gasto e esburacado. Na tua silhueta desvendo mistérios, amplio emoções, engrandeço toda a vida que há em nós, toda a vida que se desdobra e se desdobra vezes sem conta – vida toda. Podia dizer-te que és como fio de prata que se enrola à tua cintura. Podia dizer-te que és como brincos que oscilam nesta tua dança infinita de ventre. Podia dizer-te que és como liga subtil que puxo e onde me penduro. Podia dizer-te que és como meias pretas rendadas e compridas com que me vendas. Ata-me – laço em ti. Sentido cego, outros despertos. Podia dizer-te que sou alça do teu sutiã, este que se estende no chão do teu quarto qual ilha que se intumesce. A ilha que desfiei nas minhas mãos. Porventura estarei no mar de ti? Podia dizer-te que o teu corpo é túmulo de silêncios caídos e de gemidos ressuscitados. Podia dizer-te que serei língua moldada na tua pele erigida, erigida na minha. Fervo-me. Podia dizer-te que sou folha de calendário que arrancas à parede todos os dias. Sou cada dia da tua semana. Mas não quero ser ano inteiro. É demasiado confortável ser tantos dias. Quero-me promessa perdida. Podia dizer-te que és cabelos ondulados e escuros que se resvalam do peito às virilhas, e que deixo de saber por onde se resvalam pouco tempo depois porque já não me consigo conceber. Podia dizer-te que és assassina porque a morte de espírito me encarna. Mas é demasiado confortável morrer aqui. Quero-me morrer noutro lugar qualquer que não este – abandonado e distante. Podia dizer-te que rompes o meu interior quando ávida e sem rodeios me bebes de uma só vez. Bebe-me – imploro. Implorar no Sexo é tão confortável! Demasiado confortável para mim, não me bebas – engole-me antes. Engole-me já. Sinto-me liquefeito, saliva escorrida e absorvida. Consomes-me até à exaustão. Depois deste desfile irreprimível, sou apenas mais um sonho teu guardado na tua arca. A tua arca de sonhos - o meu eterno sonho. Mas é um sonho demasiado confortável para aqui me prolongar e rastejar. Demasiado confortável. Quero morrer-me noutro lugar que não este…