A sala estava muito pouco iluminada, a única luz existente provinha das duas velas acesas que se encontravam em cima da mesa perfeitamente posicionada no centro da divisão. Havia uma estranha energia no ar que antecipava algo que iria acontecer. O silêncio era tão forte que enlouquecia. Duas portas, uma a norte, outra a sul, davam acesso aquele obscuro compartimento situado sabe-se lá aonde. A única certeza era que algo ia acontecer.
A expectativa foi quebrada quando a porta do lado sul começou a ranger e lentamente se foi abrindo, revelando uma silhueta de mulher. Era ainda jovem, mas consigo trazia muitas vidas vividas, muitas mortes sofridas e a força daquelas que num passado de trevas padeceram entre o fogo. Os seus olhos brilhavam, lubrificados pelas lágrimas que só o amor pode criar. Ela ficou parada, olhando a outra porta, por entre a penumbra e o silêncio.
Não se sabe ao certo quanto tempo passou, até que a porta do lado norte se abrisse também, mas o ambiente gerado fez parecer uma eternidade. Então no outro extremo revelou-se outro vulto, desta vez masculino. Tinha o olhar frio e implacável de um guerreiro invencível, mas nas suas costas o peso de toda a mesquinhez que a vida possuiu. O seu rosto parecia cansado e o seu coração de pedra secretamente desejava bater quente.
Os dois dirigiram-se para a mesa, sentando-se um em cada extremo. Não trocaram palavras, mas os olhares que cruzaram falavam uma linguagem mágica que o mundo não compreende e com os seus conhecimentos ocultos, iniciaram um ritual de feitiçaria onde trouxeram à vida as amarguras suportadas pelos seus corações humanos. Ódio, amor, raiva, paixão, ganância… Tudo isto mostraram um ao outro, que com uma força que não pode ser compreendida foram aos poucos anulando. E lentamente uma luz interior renasceu neles. Já não eram os mesmos que entraram. Os seus rostos estavam diferentes. As forças ocultas que guardavam em segredo tinham-se restaurado num estranho ritual, onde energias opostas, masculino e feminino, anularam as correntes que os aprisionavam.
Sorrindo levantaram-se, saindo pelas mesmas portas que haviam entrado, deixando aquela estranha sala enfeitiçada, perdida num tempo e num espaço, onde magia aconteceu e corações se restauraram. Para, quem sabe, um dia voltarem…
“Para amar o abismo é preciso ter asas…”