Neste estado de loucura e de reflexão em torno da vida
e do eu, numa interrogação profunda em busca
de respostas explicativas do Ser,
do seu destino e finitude, vociferava o louco
nos seus estados mais lúcidos de loucura
numa confrontação com este mundo de injustiças:
“ Eu sou a vida e a luz.
Sou o Redentor que chegou p’ra salvar.
Sou o mundo. Sou a estrela que alumia e que guia.
Sou a luz que afugenta a noite
e arreda os medos do mar.
Sou a luz que aproxima e repele quem me escuta.
Sou a voz que sem medo não se cala e que acusa.
Sou o dedo que aponta e não quer recuar.
Sou a mão da justiça vingadora que julga a injustiça
existente neste mundo de ladrões.
(Polícias, juízes, ministros, patrões...)
Sou o pássaro que grita e que voa e que foge da gaiola.
Sou a ave que finta o caçador que o chumba.
Sou a ave que se escapa a este chumbo e que volta
e que fica para acusar.
Sou o mar e sou o vento. Sou a tormenta
que atordoa e rebenta no ar.
Sou o rei que não se cala e não aceita as injustiças.
Sou o louco que não se mete em aventuras megalómanas
sem ser louco sou o louco sou o Deus…
e sou o Estado em que ninguém já acredita
nem quero eu acreditar.
Sou o cais onde a gaivota não descansa. Sou a gaivota
à procura doutro cais onde possa descansar.
Sou o homem, o enganado, sou o louco que fizeram
e que hoje vive das migalhas dos ricos
que ajudei a enriquecer. Sou o barco a naufragar…
sou o livro que não abri, as páginas que não li
a caneta que não usei e os números que não fiz.
Sou a prova disso tudo, duma conta sempre certa
que alguém me rasurou. Não fui eu quem a escreveu!
Sou o alvo da (in)justiça que se fez
o habitante da prisão cujas grades ninguém fechou.
Sou o anjo vingador.
E sou o verbo da palavra que se diz.
Sou um louco que não cala as injustiças.
Sou o louco a pedir céu.
do Autor in "O Livro das Inquietações"
publicado também na IV Edição (Ricardo de Benedictis, 2006) da Antologia de Poetas Brasileiros e Autores de Língua Portuguesa