Crónicas : 

"o trio odemira "

 
O grupinho era sempre o mesmo: o Gaspar, o Gomes e o Berto, que bem podiam ser o três da vigairada, mas não, estes trio era um trio de ataque, mas não de futebol ou coisa que se pareça, estes três moinantes, desde que há conhecimento, sempre praticaram o chamado “encosto às raparigas”.

Eu defino: é colocar-se por detrás de uma mulher, bem encostadinho ao rabiosque dela, e deixar-se estar, deixa-se estar, feito lampião apagado.
Podem “actuar” nas feiras, na entrada do autocarro, numa greve, ou coisa que o valha, enfim, o que importa é que haja muita muita gente, nomeadamente,
raparigas descomprometidas,
que eles lá estão, os basófias, a dar ao zarelho, a encostar as suas carnes aos traseiros das raparigas como se não fosse nada com eles.

Mas é nas romarias, quando à noite a banda está a tocar ou quando se olha os foguetes no céu, que os seus sucessos aumentam e endurecem os seus paus como cajados. E deixam-se estar quietinhos para a presa não dar conta que alguém está tirando proveito da sua parte traseira e, ou prega-lhe um estalo ou vai-se embora sem dar o estalo.

Chegou a hora: a procissão a passar pelo meio da rua, com excentes de pessoas a assistir, dum lado e do outro da rua, e digam o que disserem, não existe melhor cenário do que este para o trio atacar e sentir, cada um à sua maneira, a carne fresca de umas nâdegas quaisquer.
É uma porcalhice incorrecta mas eles não estão nem aí, como diz a gente lá do brasil.
É como a ressaca de um drogado, eles precisam deste alento para se sentirem vivos.
Um fim de semana sem encostar, sem sentirem o cheiro delas bem perto dos seus narizes, óó, até a barraca abana.

O Gaspar, que já tem idade para tomar conta de netos, entretem-se a sentir o calor de uma jovem morena que na sua crença assiste à marcha do andor, dos barcos decorados com flores, sem que a inocente imagine que a pessoa que está coladinha a si, a fazer de conta que “tenho” me chegar para ver melhor, é um tarado sexual que não desgruda.

São tão depravados que nem com a nossa Senhora a ser levada por ombros, a dar a sensação que os está a topar, eles se medram. O Berto, esse, o que mais se arrisca, está mesmo coladinho a uma de trinta aninhos, pela aparência, a fantasiar-se todo, a sentir o coiso teso como um estandarte, cuja emoção é tanta que quase se lhe fecha a traqueia, e sufoca-se. Uma loucura, pensa ele.

Menor sorte tem o Gomes, pois a sua fraca aparência, a mirolhice antiga, não lhe cabe arriscar muito e, como ele diz «ó pá é melhor do que nada», ter de ficar pelas cinquentonas e e. Normalmente o saldo de cada um é positivo, pelo menos a olhar pelas histórias que trazem na gaveta da imaginação.
Quando se sentam no café do Licas, então é que é, derretem-se todos, falam de cus a torto e a direito, como se isso fosse de comer e encher a barriga.

São muito amigos, melhor, amissíssimos, por andarem sempre juntos parecem três putas à procura de emprego, protegendo-se uns aos outros. Andaram neste rock ene de anos sem que alguém por sombras adivinhasse, ainda por cima todos casadinhos, filhos que deram tropa, filhas quase dôtoras, quem é que lá ia suspeitar que o trio atacava por trás as moiras nas festas em honra aos santos padroeiros.

Agora são tão madurinhos na idade que mal se aguentam nas canetas, caminhando pelas ruas a três pernas, só peles caídas no queixo, rugas que indicam passados de alguns temporais, vozes trémulas, o esquecimento dentro e fora deles, as ruas cheias de gente, o comércio a fazer-se, as meninas sorridentes dos balcões, e eles, o “famoso” trio de ataque, no sempre mesmo banco de jardim, consumindo nostalgias ao minuto, pesando o céu e o inferno, uma mulher passa com um vestidinho apertado e largam pequenos uivos, faz ressuscitar memórias, do longe vem-se aproximando um grupo de jovens a distribuir panfletos sobre a liberdade sexual de cada um, a consciência gay, sejamos tolerantes, o Gaspar, que pelas mãos pecou, apanhou com essas mesmas mãos um desses panfletos, olhou e deu-o a olhar aos outros dois, que, desde que acossados pela asma, têm Francisco Xavier como remédio, da asma e das suas velhices, esquecidos, porque notam que o tempo já não lhes pertence, depois de ler com atenção, suspiraram:

- Ele agora há cada um...
 
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flavio silver
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 06/04/2009 16:34  Atualizado: 06/04/2009 16:34
 Re: "o trio odemira "
Apreciei este texto com a chancela do Flávio. Cuidado,imaginativo, como sempre.Pensei que já não havia espécimes destes com tanta liberdade que vai por aí...
Aqui fica um belíssimo e bem urdido registo literário de excelente recorte. Aplaudo.
Abraço

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 06/04/2009 16:53  Atualizado: 06/04/2009 16:53
 Re: "o trio odemira "
Suspeito conhecer esse trio de ataque...
Uma crónica das tuas, que não sei como é que os tipos te deixam editar no jornal dos bons costumes lá da terreola...
Abraço


Enviado por Tópico
VónyFerreira
Publicado: 06/04/2009 17:07  Atualizado: 06/04/2009 17:07
Membro de honra
Usuário desde: 14/05/2008
Localidade: Leiria
Mensagens: 10301
 Re: "o trio odemira "
Aprecio imenso crónicas. A propósito ando a ler o último livro de crónicas do Lobo Antunes.
Desnecessário será acrescentar muito mais ao que foi dito pelos anteriores colegas.
Na verdade ler-te, Flávio, é um prazer.
Gostei muito desta crónica.
Bj
Vóny Ferreira