Sabes que seria difícil não reparar em ti – tu sabes. Desde do início, aquele início que por vezes me parece confundir, que sabes que não me foste indiferente. Em momento algum. Este início que não sei precisar, ora saboreando a ligeira distância ora saboreando a grande extensão da mesma, torna em novelo as lembranças de tudo o que nos construiu até aqui. E eu queria enrolar-me em todos os segundos que partilhámos. Não para me recordar de ti, mas sim, para me preencher de ti. De ar, cor e mar.
A tua presença cativa-me no fim e nos meios destas páginas deste livro que abro para ti - deste livro que me fiz. E agora que aqui escrevo noutro branco de página vazia, recordo—me daquela outra noite – lembras-te, meu amor? – Da noite de festejo de quem te é de sangue? – Da noite de jantar, de risos e de dança madrugada adentro que uniu corpos que se tactearam quais siameses? Tu sabes. Sempre que os meus olhos varriam o espaço, alcançando as inúmeras pessoas que ali se encontravam, de imediato os fazia repousar levemente em ti porque tinha a sensação de ali faltar algo. Faltavas tu – cor que ninguém inventou em tela que percorria, como se o resto de sala ali ao nosso lado estivesse obscuro. Como se nos confins de cada gesto alheio, faltasse a vida, essa vida que eu buscava nos teus. E havia aquela felicidade, a mesma que me perpétua aqui e agora junto de ti – junto de nós?
Às vezes, quando te sentas naquela cadeira a escrever de perna traçada sobre outra, cigarro entre dedos, olhar atento de quem escolhe palavras para desfile só teu, de olhar erguido e sorriso esboçado agradeço em mim, o dia em que as mesmas se te atreveram a chegar-me. E há essa felicidade. Pico subtil tantas vezes falado e desejado. Impotência de te responder. Imagino que, se tivesse conseguido delinear letras que te fossem semelhantes em profundidade, provavelmente não teria partido a tempo na tua direcção; todas as coisas têm o seu tempo - não estará mais do que dito? Tu sabes que desde desse início onde por vezes se me estende a memória – tu sabes que sim – tu sabes que nunca me foste indiferente. E sim - alitero-me. Todas as pontes precisam do seu tempo de construção e quanto maior é o fosso entre margens, maior a viagem que nela empreendemos. Exclama – amor meu – Óbvio. Não é em tudo o que nos é claro que nos habituámos a estar? Não fossem todos os dias que consumi em toda e qualquer aridez de mim próprio e nos quais eu tentava em vão elevar-me, fugir à maldição que mais não era do que a minha própria maldição e que anulava o nascimento que se me impunha, sim se não fossem esses dias, não estaríamos aqui – digo-te. Não estaríamos aqui assim – rendidos. E sim Amor meu, não estariam aqui os teus dedos nesse desfiar lento dos meus cabelos, enquanto corpo meu e alma minha descansam sobre o teu peito. Olho para ti e estás precisa – corpo esguio, leve e ágil, pele de reflexos prateados e luz - sim, estás - Deus esculpiu-te diamante. É neste resvalo nosso que o laivo do que é livre e inexplicável me percorre, retirando valor a esta página que já não está branca, mas que apenas se encontra decorada por palavras em compasso gasto. Traçamos linhas imaginárias que nos contemplam - traçamos linhas que se encontram. Nesta graça etérea que se sente, ficamos entrecortados por silêncios e sons de palavras que nos vão unindo. Ambos perfazem uma linguagem. Ambos são melodia silenciosa só nossa, que deste topo e destas paredes no tecto dos céus, segue o caudal do rio em direcção à sua foz. Lá longe, o mar salgado mistura-se com o seu doce, tal como salivas quentes em beijos que são como todos os primeiros beijos. E, na ponte de nós e na qual ficamos, tu sabes que desde desse início, não me foste indiferente – sinto que – tu sabes.