Num jeito móvel, sem bengala, leve, barbudo e tudo, escorregava, célere, entre pedras e pedragulhos. Faltou-lhe a cruz para dar valor ou, pelo menos, significado ao desiquilíbrio.
Num vai sem vem que se anima de irreversível, é inestimável esta forma de acontecer ou, se calhar, de fazer as coisas. É imperdível, incontornável. O estilo escorregadio mantem-se e sossega agarrado à espera por nada, como se numa inquinada sala de espera...
Numa sala de espera! Desespera-se a perder de vista mas também se regra a paciência. Cultiva-se e expõe-se a vontade de estar já cheia de querer abalar como se em cartaz... como se em cartaz, se anunciasse em letras garrafais um pedido de socorro.
São devaneios para quem quiser tentar perceber o que o outro, aquele que escreve, quer dizer. Por outro lado, pode não ser bem assim. O que lê, fá-lo com o seu próprio sentido, o que transforma a escrita numa espécie de calçadeira para vários formatos diferentes.
Voltando: Num jeito móvel, sem bengala, leve, barbudo e tudo, escorregava, célere, entre pedras e pedragulhos como se de nada fosse parado. Imparável. Aquela aura dáva-lhe um garbo fora do padrão normal do ser normal. Elegante figura sem mácula aparente... aparente, sim porque não é toda recta nem lhe faltam algumas quinas. Bamboleava até, por vezes, embora não chegasse a cair.
Olhando cruamente, continua-lhe sempre a faltar uma cruz que dê valor ou, pelo menos, significado ao desiquilíbrio que lhe grassa num sentido mais estonteado que estonteante.
Ainda continua a escorrer, a querer, quase, derreter-se. O jeito é tão irredutível como pesado.
É de uma história com tanto tempo que nas suas rugas já nem cabe um rosto mas, por cá anda. Desenrola-se com uma novela infinita no reino da responsabilidade. A meio dela já ninguém sabe como começou e logo se vê como, ou se termina.
Como a peça, que de bela tem pouco, é novelo de fio sem ponta à vista, o seu guião obedece à improvisação. Facilmente se percebe que das afirmações resultam contra afirmações e que os diálogos são arrastados até já não se saber o que se diz.
Deturpa-se a responsabilidade de ser feliz, aquela forma única de manter a realidade presente e, assim também, a génese do reino num sentido que se assenhoria da preocupação em não querer fazer as coisas bem.
Vem, então, o receio de quem sabe que as coisas vão dar para o torto e que vai haver contradições. Vem o receio de que as responsabilidades descambem em algo que é pouco mais que balda e que da verdade só reste uma sombra toda rasteira, natural de corpo já deitado.
Continua a novela.
Treme quem teme, quem receia que morram as colunas direitas, os passos rectos e firmes. Treme quem, num processo de investimento, se entregou ao "ser completo". Treme-se, até, por saber que não fazer nada é fazer algo. E treme quem da lidação, daquele trabalho em afã, se contorce por uma folga de pernas e braços, tronco e cabeça que para se ajeitar a um colchão de penas. E essas? As penas, onde andam?
Até os afazeres mais duros clamam por acalmia que atenue a ameaça escrava de exaustão. Até o sol a sol que se some para a lua geme como se uivasse baixinho enquanto se ajoelha numa comiseração, num jeito de algo que acontece porque já não se pode mais.
Caleja-se a pele, que vai morrendo ao passo que se transforma em pedra dura, granito áspero e rijo. No processo, desmaiam os desejos de ser leve como se do desfalecimento descendesse um gesto lasso e pobre mas, também e no entanto, mecânico e vigoroso.
A forma de brincar nula e infanticida dos trabalhos afadigados, cola-se facilmente a gente miúda e desprovida de sentido próprio. Chega-se ao riso... ou talvez à falta dele.
O riso. Advém do sorriso, é o seu primogénito. Nasce, desde que aconchegado de boa disposição e da vontade de não estar triste. O riso. Falta o riso nesta novela de sentido sedentário! A preocupação, o medo não sorri por vontade própria. De facto falta o riso sorriso nesta novela. Talvez seja aquele que num jeito móvel, sem bengala, leve, barbudo e tudo, escorregava, célere, entre pedras e pedragulhos.
Valdevinoxis
A boa convivência não é uma questão de tolerância.