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Guarda-me V

 
Estavam certos os que me sabiam triste e calavam-se, esta dor que carrego no peito cresceu, habituei-me a ela, vivi com o peso nas costas, recordações imensas a pesar-me no lugar do coração...
Nunca tive filhos, sabia que enterrado contigo estava o meu único filho, havia de ser Miguel como tu querias, havia de o ser se nos tivessem deixado tê-lo.
Havia de ter o teu cabelo e os teus olhos, ser bonito como tu e forte como eu... havida de ser Miguel, assim deveria ter sido...
Cheguei agora do cemitério, fui mais uma vez visitar a tua campa, é um lugar sagrado para mim, levei-te uma rosa branca como tu gostavas, branca como a tua pureza amor, como a tua pele que imagino branca debaixo desta terra de fragilidades.
O jardineiro do cemitério sorriu para mim quando me viu entrar, já me conhece bem, sabe bem o que escondo em mim, olhou-me e disse com a voz trémula "Bom dia, mais um dia não é?" e eu não consegui dizer mais nada, já com o olhar preso na tua foto deixei-me sentar no banco ao lado da campa e fiquei a admirar-te a orar por ti aos meus anjos, para que tomem conta de ti nesse céu dos felizes... aproveitei e pedi ao Pai para que me levasse rápido para junto de ti... depois chorei como de costume e voltei para casa com as lágrimas nos olhos... sempre o mesmo caminho, já o conheço bem, os mesmo passos, a mesma distância... conhecia sempre de cor os caminhos que me levam a ti.
A tarde já caía sobre os montes quando voltei, estava um dourado bonito nas árvores, o vento tombava as folhas em direcção ao rio, as flores no chão curvavam-se devagarinho e já quase se conseguia ouvir o sol a esconder-se atrás das montanhas, tive pena de não estares aqui, havias de gostar de tudo isto, quanta beleza!
Parei na fonte, bebi uns goles da água fresca que chega com rapidez da nascente, já lá fomos ver a água a nascer, lembras-te? Gostava de lá voltar mas as pernas já não mo permitem e esta bengala velha de nada serviria perante o matagal que já deve ter crescido no caminho.
Quando aqui cheguei já a noite principiava, demoro-me sempre muito para que ao chegar já se não notem as lágrimas nos meus olhos, entrei e já o jantar estava na mesa, sentei-me, jantamos calados, mudos, olhares dispersos no televisor... enfim... por fim levantei-me e notei-lhe no rosto uma lágrima enquanto eu deixava a sala.


. façam de conta que eu não estive cá .

 
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Margarete
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