Primeiro fim-de-semana de Maio.
Uma gigantesca peregrinação a Chartres ganhou corpo, tal era o desejo de conquista objectiva de direitos humanos em toda a sua plenitude. O rosto de Cristo espelhava-se diante dos nossos olhares, desejosos de justiça social, fraternidade, igualdade e respeito pela ética humana. Éramos aproximadamente dez mil estudantes vindos de toda a parte, a convergir naquela majestosa cidade do centro da França; a sua Catedral erguida pelas suas duas enormes setas dirigidas para o céu e seu corpo vestido de esplendorosos vitrais, evidenciava toda a sua espiritualidade e seu regaço hospitaleiro.
A Gare Montparnasse era pequena demais, para tantos peregrinos, que rapidamente lotaram o longo comboio que nos transportara até à Gare de Gazeran. O segundo percurso, desta estação até Chartres, fazia-se caminhando e reflectindo sobre o tema: “Quem é Jesus Cristo?”. Havia crentes e agnósticos a interrogarem-se sobre aquele período muito controverso, com grandes contestações sociais, quase a fazer rebentar uma bomba atómica. Os pequenos núcleos de reflexão quase por unanimidade concluíram que, a existir entre nós Cristo em corpo vivo, teria sem compaixão vergastado todos os governantes responsáveis pela perversa sociedade em que vivíamos.
Passados oito dias sobre a peregrinação, a Universidade de Sorbonne era barricada com gritos de revolta contra todo o poder liderado por um imponente General De Gaule, que fez orelhas moucas a todas as revindicações estudantis. Dias depois, associou-se aos estudantes toda a classe operária que, apoiada pelos sindicatos, originou uma revolução a nível nacional de tal grandeza que o governo tomou uma posição de força.
Havia ruas de Paris, transformadas em terra batida com montes de paralelos emergidos por todo lado, carros em chamas, outros fumegantes de rodas viradas para o ar. Um cheiro a gás lacrimogéneo pairava por todo o “Quartier Latin”, de tal modo que ficava-se com a sensação de estar a ver uma cidade fantasma regressada aos tempos da segunda grande guerra.
Muitos dos manifestantes, incluindo-me, foram presos durante o período permitido de 24 horas. A revolução durou muitos dias, até o governo sucumbir. Sucedeu-se um ambiente de festa por se augurar nos nossos horizontes o sucesso das grandes conquistas. Por fim, o governo vergara-se à vontade popular.
Mlucas