Acordou, sem pernas, sem braços, só olhos e o cheiro, o cheiro. Odor de cigarro, luz amarela, a cama ao lado revirada. Dois homens e uma mulher. Sexo.
Onde estava? Sexo. Olhou em volta: fumaça e sexo. Um grito estridente; o fim. Eles saíram, ela ficou lá estirada. Ela com cara macilenta, pele pálida, cabelos curtos, nariz sangrando. Ela ainda lá, estacada; morta? Levantou e disse baixinho: graças a Deus, eram dois bostas, que se fodam os dois, os dois!
A mulher acendeu um cigarro, em seguida, decidiu pegá-lo. Ele suspirou, pois queria ficar lá em cima do criado mudo. Bruscamente, ela colocou-o no bolso.
Ele agora era uma nota de cinquenta reais, ao seu lado uma nota de dois reais —chamava-se Joice — e lá no fundo uma moeda de um centavo — a Carlete.
Carlete era um travesti, havia virado uma moeda, tinha dez anos que estava no mercado. Joice, a nota, uma cantora de churrascaria.
Carlete ria, enquanto dizia: "Fodeu! Fodeu!"
Ele desesperava-se. Joice tentou falar algo, Carlete não deixava, a voz estridente da moeda impedia.
Ele sentiu-se leve, viu as pernas da mulher e notou que um cigarro jazia ao seu lado. Alías, um ex-cigarro, pois Clodoaldo, sim Clodoaldo, agora era uma bituca suja de batom.
Ela me fodeu, estou morrendo, puta merda, morrendo, Clodoaldo falava.
Não irá morrer, não irá morrer, ele tentava tranquilizar Clodoaldo.
Por que será que existimos? Tão moço eu. Vadia me fumou toda. Você tem sorte, é uma nota de cinquenta reais, vai viver para sempre, para sempre..., a voz foi ficando inaudível, Clodoaldo se apagara.
Melancolia.Seu primeiro amigo naquela nova vida. Clodoaldo, um bom sujeito. Claudete, um traveco safado, tão insignificante. E Joice? Uma nota de dez reais, que não falava; que coisa! Pobre Joice, ele pensou...
Encontrou um panfleto, sem muito assunto que falava apenas: "Lira da Bahia trago a pessoa amada em três dias." Resolveu ignorar o papel sujo de bosta, sim estava sujo de merda, parecia com um papel higiênico, tamanha a quantidade de fezes.
Sim, era um imortal, agora sim, tudo iria mudar. Rodaria por todos os cantos do país no bolso, nas carteiras, depois iria para um banco, todos precisam de férias, depois voltaria ao mercado, emocionante, emocionante. Clodoaldo tinha razão. Um filósofo, Clodoaldo, um filósofo flamejante, um dos melhores, um filósofo. Quem diria, hein? Logo Clodoaldo, uma mente nicotinada. Cientistas burros! A prova estava aí, era um bom cigarro; não, melhor!, era um excelente cigarro.
Veio a chuva. Ele gritou: por que será que existimos?!