Abres lentamente a persiana, enquanto estendida me deixo estar entre lençóis que de seda não sendo, sedentos estão por te ter de novo neles jazendo. O quarto, outrora oculto em sombras disformes, afoga-se na luz que de rompante nos rouba as réstias da noite. Forço olhos meus a manter-se cegos perante o amanhecer, tentando em vão prolongar o sonho que de fugaz se esfuma pelos ares. Terá mesmo de acabar? Esgotadas as razões para não enfrentar a manhã, deixo descolar de uma vez as minhas pesadas pestanas. Vejo-te agora na claridade. Contra a luz, rebate-se serena tua silhueta perfeita, absorta no quadro pintado por detrás da translúcida fresta envidraçada. Ali está a Serra deitada, num fresco mar de verdes ondas longínquas sobrepostas ao infinito azul celeste. Tal céu que não conhece fim, ou antes o tem num algures que de tão desconhecido se torna impensável. Ao contrário de nós, meu amor… Percorres a paisagem diante da janela com tua ávida vista, saboreando a doce montra de mundo que te aguarda; um sem fim de montes, cumes e sopés encantados por viver. O desconhecido devir dá forma a teus devaneios distantes, levando-te a levitar mais além. Ali, num lá que em meus modestos muros não te amarrará.
Bebo o sorriso que momentaneamente aflora às tuas faces, tentando inutilmente fazer sucumbir a sobriedade e assim abafar todas minhas sedes de ti. Sedes de seda, aquela que o breu nocturno me deixava devanear e que agora se converte num roto, pobre pano de linho em lágrimas manchado. A cama onde me deito range desconcertada ao meu soerguer, ferida e prestes a perecer em pedaços mil. Distante, no canto mais oposto, vestes-te pesarosamente e com vagar, evitando olhar-me apesar de me saberes já desperta. Raiou o Sol também para ti e, à luz dos sonhos rompidos, sabes bem que a hora da partida é chegada.
Não adianta adiar o adeus. Quebra amarras e voa de encontro ao teu céu. Mas, ao sair, cerra a persiana… E permite que o negrume me embale o choro e descanse minha dor.