ente
se até a mim escolhi
que sou eu senão igual a ti?
que me lês neste poema,
seja ele eloquente.
tem-te a ti como tema,
e a mim como dilema.
se até a mim resisto
que sou eu senão isto?
que escreve sem escrever
nas entrelinhas da mente,
o que não sabe dizer,
e mesmo assim suceder.
se até a mim iludo
que sou eu senão mudo?
neste mundo de dúvida
que só mente quando sente
e é indiferente toda a vida
a esta ideia nunca lida.
se até a mim confesso
que me sinto possesso
por sentimentos tamanhos,
comum em tanta gente,
mergulho também nestes banhos
de raciocínios estranhos.
se até a mim procuro
que sou eu se não seguro
cá dentro o que alcançar?
mesmo que seja diferente
de toda a forma de ganhar.
só assim se pode amar.
se até a mim convido
que sou eu senão recebido
em mim para me mentir?
sentir verdadeiramente.
entro agora para me unir
no que sair fez dividir.
se até a mim aprendo
que sou eu se não vou lendo
outras mentes que oferecem?
numa partilha permanente.
pois mesmo que umas cessem
as minhas permanecem.
se até a mim ensino
que sou eu senão o destino
que me trouxe a este ponto?
todo o passado é o presente
num contínuo confronto
porque aquele nunca está pronto.
se até a mim chego
que sou eu senão aconchego
a quem se aproximou?
para um futuro contente
que ainda não chegou
mas que já começou.
se até a mim embalo
que sou eu se não calo
perante a minha voz?
que me faz ficar quente
quando estamos a sós
e nada mais importa, só nós.
se até a mim observo
que sou eu se me reservo?
quero ver por fora
quando estou à minha frente
ou quando vou embora
o que tenho por dentro agora.
se até a mim confundo
que sou eu se mudo o mundo?
um profeta confundido
profundamente descrente?
ou um crente em si bem sucedido?
que só por dar fica preenchido.
se até a mim, Deus,
que sou eu, chama ateus,
como não ter fé em qualquer eu?
que toma, deliberadamente,
cada bom valor como seu
que outro deus nunca prometeu.
se até a mim desobedeço
que sou eu que desconheço?
é tristeza que perfura
esta certeza ausente.
é conhecer que torna futura
essa adiada dor mais dura.
se até a mim troco
que sou eu se não evoco
para que troques comigo?
voltes e leias novamente.
quero ver se consigo
que percebas o que digo.
se até em mim aposto
quem sou eu senão tu?
quem és tu senão cá dentro?
nunca por fora por mais que tente.
por trás de todo o pensamento
raiz de todo o sentimento.
27/11/2006
José Roque