Madrugada
Das andanças do caçador, eu invejo a madrugada. Que a caça nem sempre compensa.
Poderá argumentar-se que ela, a madrugada, é fácil, acessível. Só que ela não se dá, no seu deslumbramento, a quem a encara de frente, impúdico.
Qual mulher inteligente e ciosa dos seus encantos, ela prefere a subtileza da abordagem tangencial, a clareza das entrelinhas, o amor que se advinha mais do que se ouve nas palavras. É assim também a madrugada. Sedutora como mulher que o é, exigente como ela na subtileza.
O caçador faz esse tipo de abordagem à madrugada e fá-lo de forma desinteressada porque nem tem em mente conquistá-la. Só tem consciência dela quando a pressente por detrás do manto diáfano da noite que está a deixar de o ser. O amor do caçador pela madrugada é platónico. Não se consuma, fica-se pelo sonho, que às vezes é grande.
É o do caçador, o meu fascínio pela madrugada. Por isso não se resolve indo ao seu encontro manhãs a eito, expressamente. Deslumbro-me com ela nas raras vezes em que lhe faço a abordagem subtil do caçador que não sou.
Já fui ao Marão atrás da madrugada. Fui de propósito e saí-me frustrado nos meus intentos. A madrugada passou por mim sem graça, descolorida.
Coisas há que não têm, não devem ser procuradas por muita que seja a sede que nos devora.
Tão só são para serem encontradas. E a madrugada não foge a essa regra.