Nos dias em que não recebo as tuas notícias, o tempo custa mais a passar.
Hoje não seria possível pois não vem avião.
No entanto, não me conformo e estou sempre à espera do carteiro, mesmo sabendo que não aparecerá.
As férias estão a caminhar para o fim e no mato não terei correspondência com frequência.
Terei de me habituar de novo.
Ontem fui tomar café à Versailles e encontrei um camarada de armas que me convidou a ir ouvir uma demonstração de um conjunto estereofónico.
Foram umas horas de prazer, de alimento para o espírito. A ouvir o Capricho Espanhol e uma sonata de Chopin.
Fica-se maluco com uma aparelhagem daquela natureza!
É caríssima, 80.000$00, imagina!
Pior é ao chegar a minha casa, pois não me apetecerá ouvir o rádio, pelo som ser roufenho.
Depois destes momentos belíssimos, fui visitar o museu de Geologia ficando aí até ao anoitecer.
É interessantíssimo, suscitando a atenção dos mais distraídos.
O que mais me surpreendeu foi ver um tronco de árvore e uma tromba de elefante fossilizados.
Havia lá outros fósseis muito interessantes, cristais de diamante, meteoritos, petróleo em bruto, enfim, os mais diversos minerais do sub-solo Angolano.
Estava já atrasado para cumprir a promessa que tinha feito à D. Lindinha. Leva-la ao cinema.
Para que não fiques a cismar, ela tem 55 anos. Poderia ser mais que minha mãe. Fomos ao Nacional ver " O Direito de Nascer", um filme muito bonito que eu já havia visto há uns anos, no Porto.
A senhora até chorou de comoção, o que não admira pois na saída as senhoras com mais idade vinham com os olhos vermelhos de chorar.
A D. Lindinha parte no sábado para Cabo Verde. Tem-me tratado muito bem, coberto de atenções. Vou sentir a sua falta.
Andei às compras pois tenho de me organizar para o tempo que estou ausente da civilização.
Aproveitei saldos grandes que havia, pelo facto de as chuvas terem feito algumas inundações em lojas da cidade.
Mas estes dias agradáveis foram toldados pela notícia que recebi. Tinha morrido um grande amigo, um dos maiores, desde a minha vida no serviço Militar Português.
Uma morte estúpida, brutal, descabida.
Esse amigo estava no Quitexe e quando à noite foi dar uma volta com um Alferes e um soldado. acontece o imprevisto.
Um outro soldado que estava de sentinela, tomou os vultos por terroristas e abateu-os com uma rajada de metralhadora.
É verdadeiramente confrangedor e arrepiante. Como pode acontecer uma coisa destas!... O jornal de notícias, escreveu sobre o assunto dizendo que tinham morrido em desastre.
Sim, foi um desastre, mas para quem toma assim conhecimento pensa que foi de automóvel, ou jipe, na pandega!
Já se comenta que alguns militares são uns malucos e que se divertem à grande por cá. Afinal fomos empurrados para estas terras, sem poder escolher, roubando-nos os melhores anos da nossa vida!...
O Mário, era esse o seu nome, foi meu colega desde 1958, em Tavira.
Sempre andamos juntos, em Braga, Viseu e aqui em Angola.
Estivemos em Zembra ,partilhamos as mesmas provações.
Podes por isso imaginar o meu sentimento quando soube deste infeliz caso.
O valor que se dá à vida, aqui é nulo.
Perdoa este meu desabafo, moralmente estou de rastos e em vez de falar de nós, do nosso projecto de futuro, estou a desabafar contigo, quando só devia falar de amor, de alegrias.
Meu amor, cada vez sinto uma maior paixão por ti, um interminável desejo de te ver, de te abraçar. Tenho necessidade de esconder em ti a minha cabeça e chorar todas as lágrimas que neste momento são mais fortes do que eu e teimam em brotar dos meus olhos.
A minha nostalgia ultrapassa tudo o que seria capaz de supor e sou egoista pois choro mais por mim do que pelo meu companheiro.
Apetece-me insultar toda a gente. Culpo todos pela nossa sorte, por não ter aqui quem me dê um carinho.
A mãe e uma mulher nestes momentos é insubstituível. Saudades e ternura para esta despedida de hoje. Sempre teu
ÂNGELA
LADEIRO