Canto I - A Juventude
(® tanatus - 05/02/09)
Invocais!...Invocais!...Ó mortais extravagantes!
As Medéias, as Circes, as Vênus, as Auroras!
Procurais em vós, partes dessas amantes,
Que não vos entregarei a juventude agora!
Só eu!...A Loucura, é que posso vos proporcionar,
O fruto com que a filha de Memnon se serviu,
Para adiar o viço de Trião!...Só eu posso grassar,
A juventude que nos vossos corações diluiu!
Eu é que fui Vênus, que bem soube dar a Faão,
Todas as graças da juventude candente,
Fazendo Safo por ele se apaixonar tão perdidamente!
Sim!...Sou eu, a Loucura!...Sou eu sem ser razão!
Sou Baco nas suas inebriadas virtudes,
Sim! Sou eu a erva mágica das vossas juventudes!
Canto II – Baco
(® tanatus – 05/02/09)
Vão-se as castanhas cabeleiras por sobre os ombros,
Caindo-vos, graciosamente, como cachos de uva!
É nos festins que Baco vai pulando seus assombros,
E bebendo, e jogando, e dançando à fina chuva!
Tão ébrio!...Transcorre a vida sem mais preocupações!
Cuida por evitar não ter o menor contato com Palas,
Pois sabe que a balança que mensura suas decisões,
Impõem-se acima das suas embriagadas falas!
Baco não quer ser sábio, não!...Quer a diversão do jogo!
E se é na diversão da Loucura que lhe prestam culto,
Vai-se divertindo bebendo os vinhos em taças de fogo!
Toda a Loucura em Baco, nos divertimentos, se compraz!
Nas vossas alegrias passa como embriagado vulto,
Sempre jovem!...E extravagante nesse regozijo tão vivaz!
Canto III – Cupido
(® tanatus – 05/02/09)
E vós, Cupido?!...Que tanto e sempre sereis criança,
Também vós sois loucos!...Sim!...Mas um louco brincalhão!
Que tanto brinca com esses amores na pujança,
Da seta que sai do vosso arco e vai certeira ao coração!
De Psique que vós fostes ferir, acabastes sendo ferido!
E vós cativastes tanto Psique como Psique vós cativou,
Mas a curiosidade da Loucura vós fez ter desobedecido,
E mesmo na desobediência vós ainda assim a amou!
São vossas setas que afligem o coração desses mortais,
Que pranteiam vosso nome na solidão das horas!
Sim!...Como pranteiam a Loucura as caixas de Pandora!
E eu por acaso sou vossas culpas?!...Suas culpas venais?!
Serei eu também a constante agitação da paixão?!
E serei mais ainda!...Serei eu em vós toda a alienação?!
Canto IV – Os Sátiros
(® tanatus – 05/02/09)
Dançam os Sátiros com as ninfas, na solidão das florestas,
E abraçados, vão no prazer das suas tépidas melodias!
Neles, todas as felicidades que vão nessas rústicas festas,
Terminam nos deleites das minhas voluptuosas orgias!
Eu acompanho vossos passos na clareira dessas matas,
E muito vós me elogiais com ardor nessas canções!
E em Pã, que vós deixastes furioso batendo suas patas,
Enaltecem no mais libertino ardor, vossas paixões!
E como Pã, vós ficareis loucos por tanto assim, amarem!
E tanto por essas ninfas vossos corações pulsarão,
Que hão de se quedarem até vossos flautins se calarem!
Mas ainda assim vós amareis com desmesurada Loucura!
E como Pã amou Syrinx até a mais louca devoção,
Vós me amareis na grandeza dessa voluptuosa candura!
Canto V – A Flora
(® tanatus – 05/02/09)
Vedes!...Eu também sou o encanto dessa voluptuosa deusa,
Que os romanos tão zelosamente honram nos seus festins!
Sou o vosso prazer na fecunda flor dessa doce framboesa,
Que tem aspergidos os seus brotos nesses imensos jardins!
Como Flora faz florir as árvores!...Eu faço florir esses parvos!
Os homens!...Todos eles são loucos, de mais ou de menos!
E tanto em vós suportais essa vida por florescerem amargos,
Que vo-los fiz florescer mais insensatos do que os helenos!
Procurais acalmar vossas aflições fora dos jardins de Roma?!
E vós ainda me seguis até a Grécia nesses tormentos?!
Então vindes!...Que em mim achais os vossos pensamentos!
As flores transpiram um vívido odor!...Um tresloucado aroma!
E espalham suas cores pelo chão num manto colorido,
No amálgama dos delírios que é o vosso tablado mais florido!
Canto VI – O Bufão
(® tanatus – 05/02/09)
Nos banquetes dessas cortes sou os trejeitos dos bufões,
Que expulsam o silêncio com suas piadas mentirosas!
Pois vossos repastos não têm melancolias nem solidões,
Só a exposição das vossas brincadeiras mais jocosas!
E sentados nessas mesas tanto comigo vós assim rireis,
Que saltarão de vossas faces os risos mais briosos!
E tanto mais vossas vestes serão as vestes desses reis,
Que vossos corpos sentir-se-ão mais presunçosos!
Vedes?!...Sou em todos os homens a Loucura do bufão!
Sou Triboulet!...Pejeron!...Thévenin!...Sou Calabazas,
Que Diego Velásquez tão bem pintou à vossa perfeição!
Degustem caríssimos truões, esses suntuosos repastos!
Bebeis e comeis sem parcimônias nessas casas,
Que tem nos vossos risos os banquetes mais infaustos!
Canto VII – Os Filósofos
(® tanatus – 05/02/09)
Colocais um filósofo num festim, e este se tornará silencioso!
São asnos diante de vossas liras!...São bucéfalos danados!
Deixarão vossos convivas parvos no sofismar mais capcioso,
E nas suas ignorâncias, haverão de senti-se tão elogiados!
Fazeis dançar um filósofo e sentireis a leveza de um camelo!
Arrastai-os a um anfiteatro e tereis espantado todo o prazer!
Sabeis que escrevem seus axiomas em desvairados libelos?!
E vo-los garanto! É só na Loucura que vos podeis entender!
Vedes!...Se for para fazer algo indispensável à vida cotidiana,
O filósofo não parecerá homem, mas sim, um estafermo,
Que caminha esmiuçando os seus augúrios a maldizer-vos!
Sabeis que desses filósofos sou a vossa visão mais insana?!
Sou eu toda a Loucura desses dissolutos misantropos!
Sou eu a profunda solidão de suas sabedorias sem escopos!
Canto VIII – A Justiça
(® tanatus – 05/02/09)
Vedes esses juízes?!...São loucos que se julgam acima de Deus!
Arvoram-se conhecedores de tudo, mas, nem o sabem as leis!
Vedes?!...Deslembraram as doutrinas que ensinaram nos Liceus,
E vão-se em bolsas cheias de moedas como se o fossem reis!
São presunçosos esses doidos que atazano com vossa espada!
Sim!...E mais vaidosos ficam quando por mim são bajulados!
E vão reproduzindo nas suas esdrúxulas sentenças malfadadas,
O desatinado pensamento desses magistrados desvairados!
Ora, pois, à Loucura perguntais por que vossa justiça balançou?!
Eu vós respondo que ela foi uma das minhas fiéis sequazes,
E quando em vós colocada à balança mesmo assim não pesou!
É bem certo que deixo alucinados esses jurisconsultos devassos!
E como à mão da justiça bebem do vinho às minhas frases,
Vo-los convencendo na embriaguez a cometerem erros crassos!
Canto IX – Momo
(® tanatus – 05/02/09)
Vou embebida nos vinhos! Na embriaguez dessas tavernas!
Sim!...Vou nessas alegorias majestosamente balançando!
Sou o boneco que Momo tanto agita em suas mãos eternas,
E que no carnaval de Veneza pelas noites vai dançando!
Sou a gargalhada que se confiam às almas concupiscentes,
No ardor dos risos que saltam desses lábios carnudos!
Sou a galhofa que vai estampada nessas faces sorridentes!
A máscara que encobrem esses rostos rechonchudos!
Sou em todos os delírios em que dançam vossas fantasias!
E sorrio no guizo que Momo traz balançando na cabeça!
E vou assim tão enlouquecida sem que nada me aconteça!
Aos homens, foi-me facultado causar-lhes essas alegrias!
Trago-vos os sonhos e as Loucuras de mil foliões!
Dançais!...Cantais!...Entregais à Loucura as vossas razões!
Canto X – O Carrasco
(® tanatus – 05/02/09)
Eu vós lisonjeio nesses verdugos!...Nos seus golpes certeiros!
Sou as cabeças que muito rolam nas praças de vossos palácios!
Vedes?!...Sou o sangue esvaído dos corpos desses moleiros!
Sou a Loucura de reis e rainhas!...Bem sou os vossos epitáfios!
O capuz é negro como a escuridão que vós cercais a insensatez,
De confiares a todos esses roliços padres a culpa dos ladrões!
Em verdade vós me perguntais aonde vai a Loucura nesses reis?!
Eu vo-los digo!...Vai até onde se desculpem o riso dos bufões!
Acrediteis!...A lâmina do carrasco desce aos regaços sem por quê!
Sim!...Corta indistintamente cabeças de damas e de reis,
Como um dia esses rebotalhos humanos convosco hão de fazer!
Vejais!...Já é hora que minha desvairada cabeça role nessa praça!
Hei de morrer!...E na minha morte, vós de mim rireis,
Pois que sem o vosso riso a Loucura deste mundo não tem graça!
*Cânticos inspirados e desentranhados da obra
"O ELOGIO DA LOUCURA",
de Erasmo de Roterdã, 1508...
desculpais leitores, a minha Loucura...
tanatus