O Sol aqueceu tanto a areia
branca, fina,
que queimei dos pés as solas,
plantas pouco calejadas;
corri até ao sombreado
duma rocha.
Alcancei o pontão de pedra
pouco depois,
e sentado nessa península artificial
mirei o mar calmo e azul.
Procurei rochas no fundo,
calculei a profundidade,
e a limpidez verde da areia
assinou a decisão do salto...
A corrida,
tantas vezes repetida,
insinuou-se, como os passos rápidos da avestruz
e o exibicionismo do pavão,
então, como um mergulhão,
entre a gravidade e o vôo
senti o vento quente na face
misturar-se
com a adrenalina em circulação...
Três segundos depois,
a frescura do Atlântico
enquanto lhe penetrava as entranhas ondulantes:
um peixe palhaço,
as algas verde-alface,
a vista turva no silêncio ermo...
Logo após,
o feito mecânico do sal
activou o início da expulsão
e o aparecimento da luz solar à superficie.
Com o pensamento a roçar a loucura
subi a escadaria empedrada
e preparei novo salto.
Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.
Eugénio de Andrade
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