Crónicas : 

Instantes

 



Instantes


Há instantes que são eternidades, e é no mundo fantástico das emoções que eles acontecem. Por isso são exclusivo do animal homem.
Não são coisa que se procure se se quer encontrar, mas dádiva gratuita que acontece, se acontece. Se a buscamos, se lhe vamos no encalço, ela escapa-se-nos. Volatiliza-se.
Foi nessa cálida noite de junho, a roçar já a madrugada, que a tua voz veio ao meu encontro, quente e cristalina. No embalo dolente e deliciosamente bucólico de " Una Sañosa porfia", que inspirado autor medievo compôs para atravessar o tempo e encantar o gélido e sofisticado homem do século XX. Será que te lembras?
Recordas-te que, enquanto cantavas, a Lua deteve-se, também ela deslumbrada e enormemente cheia, no cucuruto da capelinha de S. Cristóvão, lá no alto da preciosa Penha? Ela, a Lua, recorda-se como se recorda de a ter escutado noutros tempos, noutras paragens, porventura nesta mesma viela desta velha cidade, por outras vozes, outras gentes.
Há instantes que são eternos. Mas que fugases eles são.
Nessa noite a tua voz chegou até mim com a frescura do orvalho das manhãs que prometem Sol. Transparente, líquido, na fluidez da água que se espraia e se esvai, enquanto tangia o núcleo esconso do meu sentir profundo, cravava em mim a lança cruenta e subtil do efémero, daquilo que precioso, no instante seguinte, definitivamente, não é já mais. Mas recordação dinâmica, que fica, que prevalece como valência enriquecedora do acervo que faz o nosso mundo interior e lhe determina o equilíbrio.
Que é feito de ti amiga minha? Que é feito da tua voz que me enfeitiçou e de que ouço ainda hoje em gratas ressonâncias?
Nos dias dessa noite eu atravessava o "grande deserto". Em redor de mim eram areias e pedras. Tudo o mais ou era recordação que me dilacerava, ou rumores de esperança num ainda possível amanhã. Porque estava no deserto, nessa noite foi Oásis. Não terás dado por ele porque não caminhavas no deserto. É que deserto é coisa que só se conhece quando pisamos o seu árido pântano e lhe respigamos o travo escaldante. Só então, também, os nossos pés estão em condições de sentirem e entenderem a frescura do Oásis.
Nessa noite, por instantes, os meus pés pisaram a relva.


 
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luciusantonius
 
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Enviado por Tópico
SOB_VERSIVA
Publicado: 18/02/2009 05:18  Atualizado: 18/02/2009 05:18
Super Participativo
Usuário desde: 01/02/2008
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Mensagens: 107
 Re: Instantes
Muito pessoal, mas no entanto universal por todos os que entendam a libertação, a redenção, a gratidão de sentirem, ainda que por instantes, o grande valor da frescura de um "oásis".
Gostei em especial do último parágrafo.
Voltarei a beber da sua fonte...
Um Abraço
Ana C./Sob_Versiva

Enviado por Tópico
luciusantonius
Publicado: 19/02/2009 01:07  Atualizado: 19/02/2009 01:07
Colaborador
Usuário desde: 01/09/2008
Localidade:
Mensagens: 669
 Re: Instantes
Agradeço o seu comentário que para mim é prova de que me fiz entender. Estimula-me saber que admite voltar a ler-me.
Um abraço amigo
António