Entrelacemos as mãos, caminhemos pela beira-mar, sentindo o vento primaveril cantar-nos ao ouvido, desafiar-nos os cabelos de sal. Deixemo-nos assim, exagerados, a flutuar numa nuvem de extremos e de limites, pintada de cal, onde a saudade nos adormece de todo e qualquer vago rancor.
Abraçemo-nos, meu amor, porque quem abraça esquece e quem esquece, sente. Sintamos cada fugaz batida dos nossos corações domesticados, habituados e rendidos às brincadeiras do tempo. Beijemo-nos, refugiemo-nos nos braços um do outro, deixemos os nossos sentidos anestesiados pela força de tanto querer. Saltitemos por entre as conchas, atiremos pedras cinzentas ao mundo de espuma e ondas, à espera que o destino nos dê resposta à pergunta que nos acorda todas as manhãs.
Não nos cansemos, porque cansar é demais. E tudo o que é demais, cansa. Talvez se continuarmos a caminhar possamos chegar lá, ao nosso escudo protector, que nos trará a paz que um dia deixámos fugir. Talvez...
Olhemo-nos nos olhos, sem pestanejar. Deixemos as recordações cegarem-nos o presente e impedirem-nos de pisar o futuro. Vivamos no passado, então. Vivamos na paixão nocturna e rebuscada em que nos formámos. Nas horas vagas em que adormecemos, sonhando com o adeus. Temos o sol à nossa frente, tão quente. Queima. Meu amor, tu não sabes que o sol acende o pavio da areia, a fogueira da tristeza, a fatalidade de assim sermos, como somos, sem estarmos como queremos ser, sem sermos como queremos estar. Acende e pinta de mil cores diferentes o rasto do ardor. Tu não sabes, porque não me deixaste segredar-to ao ouvido.
Deixemo-nos ir então, na vibração do riso, na dança da tranquilidade. Rasguemos os ventos do Norte, do Sul, de cá e de lá, de dentro e de fora. Rasguemos friamente, porque deles não queremos saber. Talvez tu queiras, meu amor, continuar a guiar-te por esse cheiro longíquo? Esqueçamos isso, e tudo o que nos prende, soltemos as rédeas do bem-querer, amemos e tornemos a amar, cada um de nós, sublime, prendido ao encanto um do outro.
Fiquemos acomodados, esperemos a lua. Ela chega, eu sei que chega... Silenciosa, matreira, familiar e cheirosa. Traz sempre com ela fitas coloridas, faz-nos cócegas na cabeça, inspira-nos mais uma vez. Cantemos para que possamos adormecer, só o corpo. A alma, essa, nunca dorme, brinca com a lua. Brinquemos, brinquemos, porque se já não sabemos de que somos feitos, não podemos viver a sério. Se já me esqueci de que me roubaste a alma e viciaste o corpo. Se já me esqueci de que tu és tu, e de que eu me perdi em ti. Se já me esqueci de que levei o teu sorriso até mim, e o adormeci entre os braços.
Não sei o que fizeste. Nunca quis saber. Guardei a fotografia tirada à nossa paisagem, mas tu teimaste em rasgá-la em mil pedacinhos iguais. Todos iguais. Chorei. E tu fizeste o vento deixar voar os teus rasgos à volta da minha cintura. Disseste, amor, que nós poderíamos viver numa festa silenciosa. Não acreditei. Se a alma não se ri, porque havíamos nós de celebrar, mesmo que baixinho?
Não sei, amor. E ainda não quero saber. Caminhemos então. Alheios aos ponteiros, ao tic-tac estonteante, ao comboio rápido, à vida que não nos escolheu. Caminhemos. Ou corramos, se quiseres. Finjamos então ter pressa, para enganarmos as horas. Para eu te enganar, contar-te uma doce mentira, fingir que não quero saber. Ah, nunca quis! Nunca gostei! Acreditas meu amor?
Se eu não acredito e teimo em fingir que sim!
Não pares, deixa, não sorrias. Não digas que estás cansado, não não! A lua está quase aí. Eu sei que está. Vem, se já andámos tudo isto. Não sabias pois não? Olha para trás, para as nossas pegadas imorredoiras. Elas não se cansam de existir. Ficam vincadas na areia com a mesma agilidade com que as folhas de calendário foram voando. Não vês?
Vem. O nosso caminho ainda não chegou ao fim.