BAGDAD – 1991
É o cair da noite do dia 16 de Janeiro.
A imagem que nos chega de Bagdad é da tarde deste mesmo dia. É uma cidade aparentemente calma, a sugerir-nos o Maravilhoso do mundo Islâmico, envolto no sonho das “mil e uma noites”.
As pessoas e o trânsito circulam normalmente, sem atropelo, num ritmo aparentemente menos frenético do que o Ocidental, ia a dizer que mais inteligente, mais humano – isto se conseguirmos abstrair-nos de facetas porventura não tão lisonjeiras.
Foi uma imagem rápida a servir de pano de fundo às considerações e interrogações do locutor sobre quando, a hora, em que despoletaria a fatal guerra.
Mas o rosto moreno, simpático, gaiato, de um garoto que salta para a frente da objectiva e inunda o ecrã do telespectador distante, é o que mais emotivamente me fica na retina, a interpelar-me.
Cerca da meia noite, oiço a noticia terrífica de que tinha rebentado a guerra e que Bagdad estava a ser bombardeada.
Lembrei-me então do gaiato que há poucas horas saltara para a frente da câmara televisiva, obviamente longe dos pesadelos que o esperavam para a noite que se avizinhava.
Decorrido um mês sobre essa noite tristemente memorável, a cena do rapazito de cintilantes olhos negros a entrar-me pelo ecrã dentro – não sei se na expectativa de ver o mundo se, por força do seu subconsciente, para que o mundo soubesse que ele existia – continua a repercutir-se-me na mente.
Que terão feito de ti a ambição, a obsessão do poder, o fanatismo, o orgulho sem freio, a bestialidade dos homens?
O que é feito de ti Irmão meu?
........................
A reflexão acima, como pode constatar-se, teve lugar vão lá dezoito anos. Pela minha cabeça não passava que decorrida pouco mais que uma decada, outra guerra, bem mais,feroz, haveria de destruir a Nação daquele garoto que na idade da esperança encarou as câmaras da TV. É que esta outra guerra foi ditada pelo absurdo. Admite-se que no descontrolo da vingança se assestem armas contra aquele que sabemos ser o autor da agressão que nos vitimou; Mas descarregarmos a toda a nossa raiva sobre aquele ou aqueles de quem não gostamos, já que provas para mais não possuimos, pertence mesmo ao mundo do absurdo, por que não dizê-lo da loucura. Sim, esta guerra foi ditada pela loucura de um homem e meia dúzia de apaniguados.