Tenho pensado seriamente em enlouquecer, mas não totalmente, somente ficar meio louca. Cansei-me de ser meio normal. Para além de ser chato, é pouco original, e sem o timbre de originalidade a vida não tem piada.
Ser meio normal é a mesma coisa que ser meio nada, não acrescenta nada à pessoa ou trás qualquer vantagem.
A meio normalidade não é perdoável, não merece o beneficio da dúvida, nem tão pouco a compaixão. Ninguém diz: ”coitada!, deixa para lá, é meio normal” , com aquele ar compreensivo dos que já viram de tudo um pouco nesta vida.
Pior que ser meio normal, só ser totalmente normal, aí é o desastre completo.
Ser completamente louca, também não vale a pena. Com o registo de tresloucados nos arquivos do manicómio, não ter consciência da própria loucura, que nos impede de a tornar divertida e divertir-nos, não me parece.
A patologia mental não tem graça. A demência absoluta é outra face da normalidade absoluta. Ambas, deprimentes e avassaladoras, ficamos à mercê da vontade alheia.
Já o meio louca, é só vantagens, tendo consciência da realidade, sem a obrigatoriedade de nos alienar. O meio louco é um humano deliberadamente descomprometido, um ser que se abstrai da realidade sempre que ela se torna intolerável. Ser meio louca é inteligente, é ser intuitivo, é ultrapassar obstáculos sem os saltar ou destruir, simplesmente contorná-los
Ser meio louca não se confunde os conceitos de moral ou ética, podemos escolher regras sociais que se deseja, ou as não seguir, construir um conjunto de valores e por eles nos orientar.
Em síntese, ser meio louca é ser amoral do bem e, na prática resulta na liberdade de ser e fazer o que se quer, e, se por ventura um incauto reclamar, basta-nos encolher os ombros e apelar “sou meio louca”, e como não é prudente discutir com um louco, nem aconselhável contrariá-lo, fica o dito e o feito, pelo não dito e não feito, e somámos pontos.
Pensei nisto pela primeira vez, alguns meses atrás, enquanto me aborrecia com tudo e todos, e tudo e todos se aborreciam comigo. Um tédio. Não é que o tédio não volte de vez em quando, mesmo agora que estou num processo de quase meio louca. O tédio tem a mania de voltar sem ser convidado e, sempre volta nas ocasiões menos apropriadas.
Este processo de meio louca é particularmente interessante nesta fase da vida, em que os dias começam e terminam com plágios de filmes de sexta categoria, desses em milhentas reposições pela madrugada em canais abertos – um castigo!, inventado por algum sádico para martirizar os infelizes que sofrem de insónias. Coisa ridícula para uma mulher como eu, que sempre tem umas peúgas para coser e que já há muito passou dos quinze anos para encarnar personagens encenados por Pamela Anderson,claro que essa não dá, é muito sexy, e gostos não se discutem, mas tenho autocrítica . Não exporaria em praça pública, mesmo que fosse à noite em rua deserta as minhas estrias, celulite e gorduras localiza, sim, disse gorduras e não gordurinhas localizadas. Estão a ver?
Tenho pensado seriamente no assunto, mergulhada na mais profunda meditação, todo este processo, de forma que nada falhe e cheguei à iluminada conclusão que não dá para ficar meio louca sem ter um personagem definido. Qualquer louco que se preze tem um personagem. Precisa estar, ali, na cabeça, prontinho para entrar em acção, quando a deixa for dada.
É difícil escolher o personagem, a História e o mundo das Artes estão repletos de geniais referencias de insanidade, porém, há que decidir por uma personalidade semelhante, por mais remota que seja.
É imperativo encontrar um cúmplice...alguém que nos identifiquemos.
A primeira figura que veio à mente foi a padeira de Aljubarrota, portuguesa como eu, capaz de enfrentar uma multidão em fúria, corajosa, mas nahhh!, tinha que andar de colher de pau e seria demasiado óbvio, pensei em Catarina Eufemia, mas corria o risco de me pintarem de vermelho e isso seria catastrófico, todos conhecem minha abstinência política, digo abstinência, não abstenção, não confundam! para além que não seria perdoada pelo meu clube, (azul).
Fui percorrendo uma vasta galerias de personalidades, encontrei a Maria Antonieta, mas essa também não, foi decapitada e eu não quero perder a cabeça, a não ser no sentido figurado e em situações muito especiais ;Elisabeth Battory seria a eleita, mas muito tarde, a minha amiga Teresa já se apossou dela,
Virginia Wolf? não, suicidou-se. Florbela Espanca também.
Poderia encarnar Lucrécia de Borgia, mas demasiada requisitada a avaliar pelos índices de crueldade à minha volta.
Não sei que candidato escolher...a diversidade dificulta a escolha.
Confesso que tenho um certo fascínio pelo cenário da corte de Luiz XV, riquíssimo para as fantasias de qualquer aspirante a meio louco. O ambiente de luxúria, intrigas, romances secretos, cortesãs que deixariam Messalina rubra.
Não sei... um personagem obscuro, esquizofrénico, alguém que a História tenha ignorado, cujo o anonimato lhe permita participar nas mais diversas conspirações, sem o receio de ser mascarado, seria o ideal. É que a ideia de ser descoberta não me agrada, mesmo para meio louca é preciso ter uma certa coerência, e cá entre nós, representar dá trabalho, até para os loucos, e como sou preguiçosa para estar o tempo todo a policiar-me,o melhor mesmo, é um personagem anónimo, serve-me que nem uma luva , está decidido, afinal já sou meio louca.
" An ye harm none, do what ye will "