Vou raspar a minha pele com caco de vidro
Tentando encontrar o cerne e a fonte da dor
Vou lavar com soda, esfregar e esterilizar
As partes do meu corpo onde você tocou
Vou vacinar minha vida e todos os caminhos
Por onde você passou ou pensou em passar
Vou tomar remédio, purgante de azeite de mamona
Buscando me limpar por dentro onde você morou
Vou cortar com faca, facão, gilete, foice ou machado
Aquela árvore, onde amamos, por longas horas
Não quero testemunha de tudo que fomos juntos
Vou queimar as cartas, quebrar os discos que você gostou
Vou me lavar como se lava um prato sujo de comida
Para ver o sujo se transformar no limpo, para sujar de novo
Vou procurar no escuro como quem não quer encontrar
Dando tempo a dor, na esperança de tudo cicatrizar
Vou rezar, orar, me benzer com pai de santo e comungar
Tentando esquecer o grande mal que fomos um para o outro
Nem cartomante, vidente ou macumbeiro, vai conseguir
Somos como um ontem, nunca seremos um amanhã
Vou somar todo este tempo que passamos juntos
Na cremalheira transformar em cinzas e no mar jogar
Vou trocar meu coração e a pele do meu corpo
Nem cheiro, sentimento ou lembrança quero guardar
José Veríssimo