Então, num dado momento conheci este mundo atraente, luminoso, mágico, de possibilidades infinitas à primeira vista, e tive meus momentos de fascinação. Mas somos pessoas, não mudamos pelo fato de ficarmos diante duma tela e perdidos neste sem fim de títulos, cores, vídeos, downloads, sensação de poder, de ir aonde bem quiser em instantes, saber tantas coisas, enfim... E somos humanos demais, especialmente os que já viveram muito, que pegaram este bonde um tanto na contramão, e sempre reagimos com nosso sangue nas veias e nosso coração acelerado e terminamos fazendo uso da "novidade" com nossos velhos modos de ver o mundo, diferentes das pessoas que chegaram a ele de uns trinta anos pra cá. E sempre que fico assim muito fissurada neste teclado lembro do meu avô que olhou de lado para o aparelho de tv invadindo seus setenta anos que mal conheceram o rádio, e indo aos poucos se aproximando até ser o primeiro a comparecer à sala e como enxergava mal ficava quase colado à tela. Também ele lia um mundo todo novo com suas velhas verdades. E dessa forma a novela dos Irmãos Coragem mostrava homens como ele, um tanto rudes na aparência, vida sem confortos e uma lida ao ar livre que mais ele sonhou do que viveu, pois foi operário a até os sessenta e poucos. Aí se aposentou, comporu um cavalo e foi dar conta de plantar alguma coisa e fiscalizar umas terras que pertenciam a um parente da capital,mas o que mais fazia era visitar as casas dos agregados e tomar mate, jogar conversa fora e arriscar uns olhos azuis para as morenas.
E como ele um dia deu de cara com a TV e não conseguiu fugir ao seu fascínio, eu conheci já bem adulta o brilho dessas luzes e seus atraentes chamados, promessas, segredos a ser revelados, e nisso tudo as pessoas, sim, porque sem as pessoas que aos milhares ficam dedilhando teclas, copiando e colando, buscando a outras seja em conversas, em vídeos, fotos, mas sempre as pessoas com seus olhos fixos imóveis e patéticas, se observadas em sua concentração, nada disso seria possível nem faria sentido.
Nesse universo penso ter conhecido você. Digo isso porque, até hoje não sabemos direito sobre nós como pessoas reais, de tocar e cheirar. Confesso que essa conversa deu um nó na minha cabeça, e como você decretou que eu não existo porque nunca me viu nem tocou, e vice-versa, coisa que torna inviável qualquer ação de te esquecer, o que faço agora? Será um xeque-mate, um beco sem saída? Eu escrevendo pra ninguém...Mas as tuas fotografias, eu percebi em todas elas o movimento na hora em que a câmera congelou a imagem. E quando lembro disso é como se tivesse te visto mesmo, movendo as mãos, iniciando um sorriso que foi logo abreviado... E na memória tudo vira mesmo fotografia. Se falássemos, ah se um dia nos falássemos pelo telefone sem nenhum entrave, passaríamos da condição de ilustres fantasmas a aspirantes a pessoas reais. Deixaríamos de ser como personagens de romances, fruto da imaginação de escritores, para tomar forma humana definida. Mas pra isso seria necessário muito mais do que manusear celulares e computadores. Assumir forma humana e real pode ser mais complexo do que ser o mais hábil dos hackers. Assumir nossas fragilidades, medos, descrenças e inabilidades, tornarmo-nos reais para os outros será provavelmente uma prova a qual muita gente bastante crescida terá dificuldades de vencer.