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Re: Mentira de Água
VINHOS VELHOS
Da posição de sentada te deitaste, num movimento só, lento, atrás, tuas pernas grossas sobrando no de-fora da cama, e abertas, ligeiramente a saia repuxada, mostrando o meio das coxas, acima, insinuando caminhos, fogueiras, vinhos velhos nas veias. E por debaixo, no pendente do tecido que desbordava a queda do leito ao chão da alcatifa, as nádegas morenas, arredondadas, fechando mais alto, no apertado espaço do entre-coxas, o triangulo branco e leve do derradeiro pano. Impossível em mim era manter conversa certa. No tema. No direito da voz. A garganta se fechava, se refechava, retinha os sons. A ideia ia e vinha. Ia mais que vinha. E eu tentava ocultar a emoção, fugir na viagem dos olhos da loira-rala-relva que te espalha a pele, em baixo, para cima, pelo anúncio do arco do teu ventre; pelo feixe de linhas curvas que te descem docemente em dispersão e se juntam, todas, na fonte, na matriz da minha insegurança; pelos simétricos rolos à minha febre apontados; pelo veludo entre-peito-e-face; pelas maçãs do rosto e pela boca, entreaberta; e pelos poços fundos, os lagos, a transparência deles, abertos, alargando nos meus até encher a face toda, o corpo, a cama, o quarto. E eu nadava. Neles nadava e sufocava, do dom dos peixes carecido. Lágrimas me vinham do fundo dos meus rios, inchando nas pálpebras, contidas no por-enquanto do meu querer. Franzias a pele da testa num espanto pequeno e menos que perguntavas por palavras, sugerias apenas o som delas, a intenção –“o que foi, que tens, vem afogar-te em mim, renovar-nos o oxigénio pelas veias da emoção”. Ajoelhava eu, meio rosto repousando no teu ventre, somente, aquietado por momentos. E volvia olhar de sonho arriba, a procurar-te no vapor, temeroso de te desinventar. Tua mão, terna, passeava-me a face no descoberto, descendo, adentrava-se na camisa, encrespava-me os mamilos. Eu fazia o caminho ao contrário dos sentidos, da sede e da fome que sentia misturados na tua boca e nos olhos, afastava-me a sul procurando-te o pêlo, a pele, o cheiro a maresia. Alastrando-me no delta, sossegava um pouco, ao cais acostado, entre colunas, aspirando a flor marinha, escutando o vento a sussurrar-me o mistério das marés...
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