As ideias são como roupas. Podemos vestir as que quisermos, mudá-las quando quisermos, podemos ter roupas elegantes e caras, baratas, sujas ou rotas, mas por debaixo estamos sempre nus. As roupas, por muito diferentes que sejam, escondem algo que é igual para todos: uma nudez que nos foi dada originalmente à nascença e que nunca é perdida, apenas camuflada.
Assim são as ideias. Podemos ter ideias fantásticas sobre a vida ou nós próprios. Podemos ter ideias muito avant-garde ou ideias muito retrógradas. Podemos nutrir ideias muito ou pouco ortodoxas, mais abertas ou mais fechadas, mas, por debaixo de todas elas, esconde-se um ser humano que não faz ideia do que é que isto se trata. "Isto" é a vida, é a essência de estar vivo, é o que nos faz existir e é o que nos faz morrer.
Debaixo de todas as capas, sobretudos, casacos e chapéus está um corpo nu, uma mente despida de todos os adornos que lhe foram acrescentados por razões sempre desconhecidas. Debaixo de cada peça de roupa - comunista, democrata, religioso, new-ager, libertário, anarquista, materialista, activista - esconde-se aquilo que nunca desaparece, por mais roupas que sejam adicionadas. Esconde-se um ser humano que nunca será mais ou menos do que isso - humano. Alguém que quando toma banho é igual a outros mil que tomam banho, que quando se alivia, se limpa como outros mil se limpam, que quando come, mastiga e engole como o fazem outros mil que mastigam da mesma maneira.
Por detrás de cada veste esconde-se alguém que vê em toda a peça de roupa uma oportunidade - a oportunidade - de transformar esta vida em algo um pouco mais tolerável, mais fácil de vestir. Cada roupa é um escudo, cada escudo uma máscara, cada máscara um grito de revolta. Cada grito de revolta é um pedido de socorro, um chamar pela paz, pelo silêncio que tudo leva, pelo oceano que tudo purga.
Cada ideia onde nos introduzimos é uma tentativa de vestir a nossa nudez original, a nossa fragilidade essencial, a nossa vulnerabilidade total. É uma muralha erguida para nos esconder da verdade que fingimos procurar, da verdade da qual fingimos fugir; a verdade que é quem nós somos e, referente à qual, buscas ou fugas fazem nenhum sentido.
Pessoas morrem e matam pelas roupas que vestem, pelas ideias que erguem. Nações inventam novas roupas, controlam povos por causa delas, mentem por causa delas, pisam e esmagam por causa delas. Todos esquecem que a roupa não é a pessoa, que a pessoa está e sempre esteve nua e que essa nudez, essa pessoa, é igual para todos, em todos. Ricos e pobres, inteligentes e broncos, bons e maldosos, todos estão tão nus como todos os outros. Ninguém está mais nu que ninguém. A nudez é como a verdade - não conhece níveis, estados ou relatividades. Existe em pleno absoluto.
Sou plenamente nu, plenamente verdadeiro, plenamente eu - as roupas não apagam o que sou, apenas disfarçam, como uma peneira ao sol. Por detrás de cada buraco brilha a luz, por detrás de cada olhar cintila o nu e cru que habita o coração de todos sem excepção. Os olhos não tapam o que a roupa intenta, não disfarça o que as palavras e discursos distorcem. O frio faz-se sentir na nudez da cada um, independentemente das roupas que nos tentam proteger do gelo que se ergue à nossa volta. Na nuvem de bafo quente que se forma ao abrirmos a boca pode escrever-se o que os nossos lábios têm medo de pronunciar, que esta nudez, esta fragilidade, esta vulnerabilidade é desconfortável, magoa profundamente, cria ansiedade e insegurança. Por detrás de cada armadura respira um corpo mole, tenro perante qualquer flecha, espada ou bala. Por detrás de cada peito erguido vive uma ferida interior que tentamos esconder no fundo do coração.
"Quem não está confuso não compreende realmente a situação", disse Edward R Murrow. Eu diria que quem não está confuso ou já se despiu por completo e treme de frio, treme de verdade e real, ou tem demasiadas roupas a obscurecer, a entreter, a engodar a mente e a evitar que a nudez de si próprio e da vida se mostre absolutamente. Se mostre absolutamente. Absolutamente. Nua.
Não precisas de responder às tuas questões. Precisas é de questionar as tuas respostas.