Concordei hoje com o quanto nos parecemos com formigas. Giras e atarefadas quando distantes, mas horriveis e autómatas quando vistas continuadamente debaixo de lupa.
Macrocéfalas e hiperactivas dependendo de feromonas e outras hormonas para as suas funções dentro do grupo. Incapazes de acção independente e vazias da nocão do todo prosseguem a sua inexorável marcha para uma morte sem qualquer memória ou apreço.
Capazes de maravilhosas e terríveis obras quando aglomeradas aos milhões sentem-se perdidas e desprovidas de valor na sua individualidade. Sem nunca terem encarado a verdade no espelho seguem condicionadas por milhares de anos de evolução recusando a todo o custo o próximo passo receando a perda de uma identidade que julgam ser a unica coisa que existe. Pequenas formiguinhas temerosas da sua pequenez sem nunca terem direito a uma observação morosa e amorosa crescem tentando a todo custo provar o que valem com aquilo que produzem não sabendo que a recompensa de um bom trabalho é sempre mais trabalho. Poderosas artesãs dum tecido social que nunca as respeitou mas sim cresceu parasitariamente nas suas costas.
Formigas que merecem todo o meu respeito pela sua abnegada capacidade de trabalho e lealdade para com os compromissos assumidos. Formiguinhas pelas quais eu hei-de lutar até as ver a meu lado a descansar cantando como alegres cigarras que não são.
As cigarras essas são mais que muitas, pois as formigas querem-se distraidas com entretenimento com uma valor de novidade sempre acrescido. Se as formigas não faltam as cigarras sobram. O seu cantar consegue enjoar mais que encantar e as cores garridas com que se reinventam diariamente não conseguem já espantar as cansadas formigas que sem olhos baços, mas sim exaustos braços param para as ouvir apenas por hábito e não por gosto.
Num tempo em que , finalmente, até as formigas crescem e escolhem deixar de o ser, as cigarras procriam como nunca, apoiadas no sustento criado pelo labor formigal.
Quem tenta fazer algo não consegue deixar de ficar confundido com tamanha algazarra e animação. São cigarras-político, cigarras-artista, cigarras-advogado, cigarras-pastor, cigarras-jornalista, cigarras-analista, cigarras que fazem lindas odes a uma sociedade que sempre lhes foi capacho. Cigarras que só já cantam desprezando o valor dos actos em prole de lindas palavras, idéias, balelas...Um zunido insurdecedor que abafa o verdadeiro pulsar desta Vida que nos chama faz Tempo.
Chega a hora em que as cigarras devem meter mãos á obra enquanto escutam as primeiras palavras dumas formigas que há muito deviam ter sido ouvidas.
A necessidade estará em escrever ou em ser lido?
Somos o que somos ou somos o queremos ser?
Será a contemplação inimiga da acção?
Estas e outras, muitas, dúvidas me levam a escrever na ânsia de me conhecer melhor e talvez conhecer outros.