Pensei em ligar, mas ela disse que o seu telefone fica desligado durante a madrugada. É complicado dormir com a sensação que você é apenas um covarde, que poderia ter dito algo que realmente tem importância.
- Então, vi o filme ontem, me esqueci que a direção era do Quentin Tarantino. Isso explica o excesso de sangue.
- Mas o que você achou do filme?
- Te falei que não gosto muito desse tipo de filme, assisti mais para te compensar pelo filme sul-coreano que a gente assistiu ontem. Reparou no filme que está passando na TV assim que as meninas chegam no albergue?
- Não.
- Pulp Fiction, Quentin Tarantino também.
Ela é noiva de um pastor evangélico, uma disputa um tanto difícil para um quase ateu como eu, alguém que crê na singularidade e não na massa hipnotizada.
- E o final?
- Futebol com a cabeça da mulher? Fala sério hein. A cena do cara chegou a doer em mim.
- Hehe. Sabia que você ia falar isso, homens são todos vulneráveis.
- Sei.
Ela é diferente, pode até parecer um clichê que supostamente digo sobre todas as mulheres, mas sobre ela não é. Sabe aquela sensação de que não é preciso fingir ser ninguém, de que não é preciso medir as palavras e muito menos temer os seus próprios defeitos. Bom é isso.
Por mais que eu me sinta inútil e terrivelmente incomodado com a tristeza dela, quando consigo conquistar um sorriso naquele rosto lindo me sinto realizado. Incapaz de ser amargo.
- Sobre o que você queria conversar comigo?
- Eu estou gostando de você.
Intervalo provocado por um grande silêncio seguido pelo fim da ligação. E eu que achei que era um grande babaca me declarando pelo telefone, recebi uma mensagem com a resposta.
[MENSAGENS PELO CELULAR]
- Mário foi mal não ter respondido, mas é melhor mantermos a nossa amizade.
- Beleza.
Recebi a mensagem com um sorriso patético de quem perdeu logo no início. Tinha muito a dizer a ela e muito mais a perder, resolvi tudo com uma derradeira mensagem.
[MENSAGEM PELO CELULAR]
- É claro que o fato de eu concordar na primeira tentativa em mantermos a nossa amizade, não quer dizer que eu seja insensível ou que não exista sentimentos envolvidos.
E isso não serviu de nada, no decorrer dos dias não houveram mais mensagens, muito menos telefonemas, apenas DVDs devolvidos. A nossa amizade foi morrendo aos poucos, substituída por um “oi” nos corredores do trabalho.
Na verdade ela sempre me viu como apenas um amigo, alguém que pudesse alegra-la nas noites em que ela brigava com o seu noivo. Para mim ela foi muito mais que uma amiga, que uma paixão passageira, ela certamente foi a melhor parte do meu dia, o meu momento feliz.
M.Cardoso