Já tínhamos nos encontrados tantas vezes, e tantas mais eu a avisara sobre o que poderia acontecer. Sempre a deixara decidir o que queria, principalmente, no que se referia ao amor, lhe dizendo ainda, que cupido vivia pregando peças nos corações das pessoas. Isso tudo eu pensava enquanto a observava, talvez fosse esta a última vez que a veria, ou, bem, talvez não.
A vida é um jogo, dissera-lhe certa vez, e das cartas que tinham sido distribuídas na sua vida, ela tinha a melhor mão, e lhe caberia sempre, fazer a primeira jogada, então, as engrenagens se moveriam no seu universo. Eu me contentava com a que tinha ganhado, sempre fora assim, porém...
Do outro lado da mesa, uma silenciosa Senhora observava calmamente, os acontecimentos. Para ela, tanto fazia, poderia levá-la agora ou depois, nunca se importou com isso, era parte do “ofício”. Estaria lá, sempre! Esperando o momento certo a fim de acompanhá-la para o outro lado da vida, daí sua serenidade. O que lhe interessava naquilo tudo era saber como eu enganaria o livre arbítrio de Isabelle, esse o seu interesse, por isso ficava observando, enquanto ela caminhava perdida em pensamentos.
Fiz-lhe ver a noite calma e a lua, que cintilava toda cheia, iluminando o bondinho que seguia na direção do mirante, no final cais. Um raio de luz lhe clareou o rosto e o vento soprou, todo especial, afagando-lhe os cabelos carinhosamente. Isabelle então, ficou parada, no fim do ancoradouro. Olhou a vastidão do mar e não viu nada, apenas o vazio, o que lhe doía na alma.
Uma lágrima, após outra, rolou dos seus olhos castanhos, lhe borrando a maquiagem no rosto perfeito. Tentou, em vão, enxugá-las, mas elas caiam cada vez mais, embaçando seu olhar. Os soluços foram muitos, por longos minutos, mas depois definharam, até que pararam de vez. Olhou para a escuridão do mar e aquele ar de tristeza que eu já muito vira em outros olhares, ficou balançando na frente dos seus olhos. Fiz-lhe então, rapidamente, pensar num tempo passado. Num tempo que tudo tinha dado certo. Num tempo em que fora feliz...
Como lhe dissera, tudo passa, assim como os bons e os maus momentos, porém, aqueles, ficam guardados na lembrança, e com o tempo, sem que as pessoas percebam, vão-se esquecidos nas suas existências. No entanto, os que magoam estes sim, ficam gravados no fundo da alma e, ao menor contato, machucam e quase nunca cicatrizam. Com estes, as pessoas têm que aprender a conviver.
O tempo passava, então, gritei para que me ajudasse, mas ele, como sempre, não ouviu meu apelo, e seguiu seu insofismável caminho, passando lento para uns, rápidos para outros e terminando para Isabelle...
Continuei lhe segredando no ouvido. Lembrei-lhe da época em que conheceu o amor, naquele dia sentiu que lhe faltava ar, que as palavras não lhe saiam da boca, e não saíram mesmo! Ficou calada, quando a amiga lhe apresentou a ele, não articulou nenhuma frase, apenas um “oi”, e isso bem baixinho. Seu coração bateu acelerado. Estava apaixonada. Cupido dissera que a faria ficar assim, “nas alturas”. Não mentiu. Foi assim mesmo que aconteceu, amor à primeira vista. Ficou “flutuando nas nuvens!”. Logo depois, começaram a sair juntos, e para iniciarem um namoro, foi um passo. Tudo isso eu a fazia ver. Os momentos de amizade, de ternura, de carinho. O amor pelo qual passou.
Fazia as lembranças surgirem vívidas à sua frente. Eram suas aquelas lembranças, na qual se deixara levar pelo encanto do contato sensual dos corpos entrelaçados. Dos beijos que foram trocados em frêmitos de prazer. Eu percebi que ela estremecia com essas lembranças. Não tinha se esquecido dos beijos cálidos, nem das carícias trocadas. Seu corpo lânguido, na cama deitado, sendo amado com paixão, até atingir o clímax da entrega total, do desfalecimento da alma. Tudo isso eu a fazia ver, mas insistia em seguir adiante.
Mostrei-lhe, também, o outro lado. Onde o amor deixou marcas. Fiz-lhe ver as cicatrizes que estavam abertas, os problemas não resolvidos que ainda lhe consumiam a alma. Logo no início, tudo fora feito a dois. Andavam sempre juntos, depois de anos, tudo começou a mudar, ele começou a querer ficar mais sozinho e ela passou a ficar mais possessiva. Não tinham mais tempo para si. As ligações começaram a rarear e, em seguida, o celular não emitiu mais sinal, ficou mudo para sempre. A vida era assim, sussurrei-lhe baixinho, ganhar e perder. É da natureza humana a eterna luta entre querer e poder. São desejos que deviam ser dominados, ainda mais quando termina com os sonhos que poderiam ter sido, mas que não foram.
As recordações eram amargas, como bem lhe dissera. Mas não acreditou. Então descortinei à sua frente, como se entregou de corpo e alma àquela relação. Como ofereceu tudo de si, e o que recebeu em troca? Nada! Como foi suficientemente forte para deixar-se livre, tanto quanto o deixou, e adiantou alguma coisa? Não. Então, como pôde acreditar? Eu bem que a avisara. Não me deu ouvidos. Não quis saber. Muitas vezes, o amor termina sem quê, nem por que, e o que resta? Apenas saudades. E, de todas, as mais dolorosas são as que ficam!
Deixei-a com suas duas opções, a decisão estava em suas mãos, era escolher a que queria. Fiquei observando Isabelle se aproximar e transpor a grade de proteção do cais. Lá embaixo, as águas do mar bramiam furiosas. As pedras surgiam pontiagudas por entre as ondas que quebravam agitadas. Ia se atirar. A Velha Senhora sorriu triunfante. Eu balancei a cabeça, decepcionado. Eu a tinha feito ver tudo pelo que passou. Os bons e os maus momentos, para que decidisse viver, e o que encontrei no final? A Morte sorrindo para mim! Porém, e aqui cabe um aviso, tudo tem um sentido na vida e as coisas parecem não ser o que são. Na realidade, Eu, e somente Eu, poderia ludibriar sua vontade de morrer. Sim! São nesses momentos que as coisas acontecem! Que o Destino interfere! E ali, quando estava prestes a pular, fiz com que o vento, que soprava mansamente, numa lufada tão forte, lhe arrebatasse o salto no ar, lançando-lhe no chão do cais, desacordada, e, naqueles segundos de semiconsciência, sussurrei no seu ouvido, “calma, menina, você ainda tem muito que sonhar”.
De soslaio, pude observar Ele sorrir e com uma leve inclinação da cabeça, concordar com que tinha feito, pois, como dissera, às vezes, o Destino “dá uma mãozinha”,
A Senhora de Negro ficou perturbada com a minha decisão, e tentou esboçar uma reação, dizendo que o Eu não poderia interferir em nada, pois, Ele não me delegara poderes para isso. Sorrindo, fiz-lhe calar. Expliquei-lhe que - a Ela -, sempre coubera observar o desenrolar dos acontecimentos, impassível. Não poderia intervir em nada, apenas levar o que era seu.
Quanto a Mim – isso Ele deixara bem claro -, desde os tempos antigos, que me fora facultado o poder de interferir e mudar os acontecimentos se assim o achasse conveniente, isso ela não sabia, mesmo que o resultado fosse grande, para mais ou para menos. Esse o meu trunfo, nas horas decisivas. E na vida de Isabelle, sabia que aquele ato de loucura que estava cometendo, era tão somente o resultado de amor-próprio ferido, então naquele momento, decidi dar-lhe uma segunda chance.
Que vivesse, era isso que queria!
Quando olho agora para Isabelle, vejo que aquele gesto que fiz foi ínfimo perto do que hoje é sua vida.
Sei que está feliz!
Encontrou, enfim, o seu destino...(® tanatus - 12/01/09)