Subo rapidamente as escadas
Em fuga do pesadelo da perseguição
Que nunca mais acaba,
E sempre que acaba
Termina na sala fechada.
A porta é de metal e é verde,
E fecha-se em pânico.
O desfecho é sempre o mesmo.
No entanto, anos e anos passam
E os pesadelos se ultrapassam
Com um novo caminho.
Desta vez encontrei saída.
Subi em direcção à luz.
Havia luz, muita luz, muita gente.
A chuva caía, muita coisa se via,
Muita gente sorria.
Vejo um sorriso para mim,
Sorriso banal,
Tensão sexual,
Tentação carnal
Que vira meus olhos
Para o horizonte.
Não é para isso que aqui estou.
Sei de onde vim e para onde vou,
Vou até onde a rua me levar,
Sei onde a rua vai acabar.
Passei pela igreja e pela rua da renovação,
Ignorei a mensagem que não passa de má intenção,
Segui porque sabia onde queria ir.
Cheguei ao largo que era a meta,
Cheguei ao sítio da magia
Que me leva no braço
E nem sabia o que eu sentia
Nem o que aqui faço.
A mente tratou de tudo mudar.
Na casa da frescura residia agora
A história de uma vida de penar,
As figuras que odiei e aprendi a amar,
Tudo o que alguma vez vi ou deixei de ver.
Convite não havia mas a porta estava aberta.
Entrei na casa em que havia tudo,
Vasculhei com sorriso mudo
O que não encontrei antes de aqui chegar.
Vi no entanto a pessoa feliz
Em prados de amor e felicidade
E falei com ela sem lhe dizer
Que nunca a quis perder.
Mas algo estava errado.
Estava frente a frente com o fado
Que nunca tive mas desejei,
E só queria olhar para a esquerda.
Esquerda onde estava a porta
Que não tinha porta
Mas espaço aberto e luz
Para quem quer entrar.
Eu só queria sair.
Não queria partir
Sem antes dizer adeus,
Mas chovia tanto
E deixei de rezar a Deus
Para viver naquele canto.
Lá fora chovia e chovia mais.
A água corria pela rua,
Era água minha e tua
E estavas lá longe.
Estavas muito longe,
A correr em direcção a mim,
Nunca te vi assim,
Nunca me senti assim,
Tirei o casaco em urgência
De te ajudar.
A casa estava linda antes de eu sair.
Soava a música, cheirava a perfume,
Não havia lareira mas havia lume
De dias que passaram,
Vidas que se interceptaram.
Mas não quis ficar.
Eu só queria ajudar.
Corri e corri com o casaco na mão,
Só queria oferecer protecção,
Não sei bem a quem,
Pois ao correr não parava de sentir
A minha vida a fugir
Para outro lugar e outro alguém.
E chovia mais e mais,
E o vulto que eu ia proteger
Desapareceu na porta distante.
Subitamente, parou de chover.
Lentamente deixei de ver
Tudo o que antes lá estava.
Procurei proteger
E acabei por me perder.
Voltei para trás à procura de abrigo.
Tudo estava mais pequeno.
A casa acolhedora era agora
Um labirinto que outrora
Me abrigou folgadamente.
De certeza que me perdia se lá entrasse.
Era um sítio com menos brilho,
Menos classe e num impasse
Entre um beco sem saída
E uma hipótese de uma nova vida.
A nova vida ficou-se na chuva.
Eu via mais na chuva que ao sol.
Eu era mais feliz a correr de casaco na mão
Que naquela casa a ver passar o serão.
Eu era mais feliz a ver-te correr
Mesmo se o teu futuro for desaparecer.
A casa ainda tinha lá gente,
E não fiquei feliz com o que vi.
Pouco ou nada senti
Na casa que deixou de fazer sentido.
A pessoa feliz ainda lá estava,
Com prazer se entregava nos meus braços
Mas entregar-me a ela não fazia sentido.
Quero chuva. Quero frio.
Quero correr à chuva naquela rua.
Viver naquela casa deixou de fazer sentido.
E dias e dias passaram,
E agora desço escadas
Em perseguição que nunca mais acaba,
À procura de portas e janelas para sair.
Só quero voltar a ver aquela rua…
É mais real do que podia imaginar,
Só é preciso esperar
Por melhores dias…
Só é preciso ficar a ver
E encontrar alguém para proteger…
Sei quem é o vulto que à chuva corria.
Sei onde estava.
Agora visto o casaco numa correria
Pois sei onde estou.