O ponteiro médio, o mais fino, passou outra vez pelo doze, decretando a décima nona hora do vigésimo nono dia de dois mil e oito, que como todo ano, salvo raras exceções, chove agora uma chuva destituída, rebaixada a chuvisco, lavando folhas já límpidas de jequitibás, quaresmeiras, ipês-rosa e castanheiras solitárias no meio daquele pedaço de mata atlântica.
Postei-me de costas, daí então percebo um prego, deveria estar ali á uns dezoito anos e eu nem me dava por conta.
Sustentou honrado, a fotografia preto e branco de casamento dos meus pais; primeiro filho. Segunda e terceira filha também, e também o quadro de Santa Rita de Cássia.
Agora apenas, expectador, como sempre, guardando segredos e memórias; torceu comigo ainda que calado; campeonatos de meu Santos que nunca vinham.
Foi em dois mil e dois, final, Morumbi. Santos três, Corinthians dois. Aquele prego festejou comigo, estático, mudo, preso em si mesmo, uma manifestação paralítica.
Meio a um emaranhado de teias de aranha, parecia-me mais preso ainda, dava-me a impressão de ter perdido a honra, a dignidade de ser um prego, pois indiferente assistia o debater de uma mariposa presa aos fios quase invisíveis que pendiam do prego numa manifestação de desprezo pelos seres vivos, embora o pequeno aracnídeo ao qual se aliasse mostrava-se tão vivo quanto eu, ou até mais, a fome ou a vontade de comer ou ainda as duas condições juntas, imprimem uma velocidade maior aos nossos estímulos, observava atentamente com seus quatro pares de olhos, o cansaço se apoderar do inseto já prestes a se render.
Eu que queria que o chuvisqueiro cessasse, não tinha poder para tal feitio, mas poderia enxotar a pequena aranha de minha casa, pegar o martelo e arrancar o prego; mantive o prego.
Subi em uma cadeira e com as mãos desfiz a teia mortal, a aranha fugiu e em vôo cambaleante, bêbado, a mariposa caiu aos meus pés. Apanhei-a entre as mãos e me dirigi até a varanda.
__Vá minha amiguinha, voe.
Ainda que desequilibrada, avançou e foi, foi até ser devorada de uma vez só por um pardal, que não estava nem aí para o final feliz da minha historia.
O prego permaneceu calado, estático, mas eu tive a impressão que ria.