SONHOU NAQUELE DIA PELA ÚLTIMA VEZ, COMO SONHAM OS DEUSES
BEIJOU SUA AMADA, COMO SE BEIJAM OS AMANTES
SERVIU-SE DA SEIVA GELADA, COMO SE SERVEM OS ASTROS
PEREGRINOU PELAS RUAS, COMO PEREGRINAM OS APAIXONADOS
SANGROU NO SABOR DA LÍNGUA, COMO SANGRAM AS VEIAS ABERTAS
SERPENTEOU O CORPO, COMO SERPENTEIA A SIMETRIA DA DOR
CONHECEU A SABEDORIA DO POETA, COMO QUEM CONHECE SUA PROPRIA ESTRADA
SENTIU-SE TRISTE, COMO QUEM SE SENTE ADVINHANDO A TRISTEZA
TALHOU A CICATRIZ NA TESTA, COMO QUEM TALHA OBRA DE ARTE
SUSPIROU NO SEGREDO DO MORTO, COMO QUEM SUSPIRA NA ÂNSIA DA MORTE
SABOREOU O SAGRADO, COMO QUEM SABOREIA A SACRA DOS SANTOS E DOS ALTARES
PASTOROU A OVELHA, COMO QUEM PASTORA ALMAS E VAGABUNDOS
APAIXONOU-SE PELO SACRAMENTO, COMO QUEM SE APAIXONA PELO SINAL DA CRUZ
SUPLICOU O SACRÍFICIO DOS MORTAIS, COMO QUEM SUPLICA O TIRO FATAL
TROPEÇOU NO DESCOMPASSO DOS PASSOS, COMO QUEM TROPEÇA NO VENTRE DA MÃE AMADA
RESGATOU O REBENTO, COMO QUEM RESGATA SOLDADOS ILHADOS E FERIDOS
LAPIDOU A PALAVRA, COMO QUEM LAPIDA O SENTIMENTO DO POETA
CALOU-SE DIANTE DO REAL, COMO QUEM SE CALA NO OLHAR DA VIDENTE
MADRUGOU NO COLO DA MULATA, COMO QUEM MADRUGA NÚ, NA NUDEZ DOS CORPOS
MIROU O MISERÁVEL, COMO QUEM MIRA A MÍSTICA DA NÓDOA NA HORA DO MEDO
MARCOU O TEMPO, COMO QUEM MARCA ARCO-ÍRIS NO AR
REJEITOU O FILHO, COMO QUEM REJEITA O REDENTOR
REFRESCOU-SE NO PINGO, COMO QUEM SE REFRESCA NO CORPO MORTO E FRIO
PERPETUOU O CRIADOR, COMO QUEM PERPETUA O PAI-NOSSO
PACIFICOU A POLÍCIA, COMO QUEM PACIFICA OS POVOS
VERBO DOS DEUSES
PORTO DAS DORES
POETA DOS ALTARES
RETICÊNCIA DOS MISERÁVEIS
José Veríssimo