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Histórias de Camacupa e outras paragens da vida (3º Episódio)

 
Este episódio é, ainda hoje, evocado naquelas reuniões de família, misto de convívio e nostalgia de África (sabem do que falo). Eu rio-me da situação mas o meu irmão nunca achou muita graça. Tem razão. Não foi nesse dia, mas uns meses mais tarde que acordámos com um cheiro na rua que ninguém sabia identificar porque completamente invulgar mas agradável. Ninguém adivinhava o que acontecera e ninguém acreditou quando começou o boato de que houvera um incêndio num comboio carregado de bolachas. Daí até aparecerem à nossa porta a vender pacotes de bolachas a 2$50 a caixa foi um instante. Parece-me que seria bolacha maria torrada ou algo parecido já que esse cheiro não me é ainda hoje completamente estranho. Vinham muitas vezes vender coisas à nossa porta. Daquele vez o incêncio do comboio foi o presente de muitas famílias das sanzalas próximas. As pequenas incursões que às vezes fazia com os meus amigos às sanzalas próximas davam para perceber que aquelas bolachas forama mais que tudo o que tinham. Os nossos Natais ainda eram em família... Pode-se imaginar um Natal sem SMS ou Internet? Em família e amigos. Tenho uma memória muito vaga mas boa. O mais deve ter sido contado pela minha mãe. Lembro que nem sempre houve prendas mas ouve sempre Árvore de Natal. Quase ritual. Como ritual foi o primeiro Natal que me lembro já em Portugal. Tinha uns 9 anos e foi passado em casa dos meus avós. O meu avô também se chamava Raul. Lembro a lareira e os meus tios a brincarem com o sotaque de português indígena trazido de Angola em Março. Veio comigo naquela camionete de carreira (6 horas de Lisboa a Benavila) com "paragens em todas as estações e apeadeiros". No Natal penso sempre como estará a ser o Natal dos meninos e meninas (hoje pais) que andaram comigo na Escola e dos filhos deles. Só isso me basta para viver mais Natais. (continua)
 
Autor
Raul Cordeiro
 
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