UM CAUSO DE NATAL*
O fazendeiro Eraldo saíra com a sua mãe idosa, e sua jovem senhora.
Durante algum tempo conduzira sua caminhonete prata, com ar condicionado e cabine dupla, pelos domínios de sua fazenda, que era uma vastidão de 800 alqueires cultivados com soja. Plantio sofisticado, moderno, avançado segundo os princípios da agricultura de precisão.
Olhar aquele tapete verde a se unir lá no horizonte, lhe proporcionava uma grande satisfação. Olhava aquilo tudo e via seus pais, seus avós e a luta que empreenderam para que tudo aquilo pudesse existir.
Seguira pela estradinha de chão. Da sua divisa em direção a Dois Corações, cidade mais próxima, eram 12 quilômetros, em autopista. O autocarro saracoteava entre pedrinhas e lombinhos do terreno acidentado, pelas intempéries do inverno.
Era véspera de Natal e precisavam fazer algumas compras para seguirem as tradições natalinas na sua forma mais simples, porém devotada.Ao seu modo pretendiam receber, em seus corações, o Menino Jesus, em grande estilo.
A mãe do agricultor, dona Esmeralda, sentada entre ele e Rosinha, parecia distante, enquanto este assoviava uma música que Rosinha costumava cantarolar, mas ela não parecia ouvir, concentrava sua atenção no trânsito difícil daquele trecho.
Chegando a Dois Corações, estacionaram, em frente ao empório. Só Eraldo desce da caminhonete, imponente como um puro- sangue árabe, com seu brilho prata a chamar atenção de transeuntes do pequeno lugarejo. Era sempre assim, o marido descia enquanto a mulher esperava... Ele dizia que se Rosinha descesse, ele gastaria o dobro...
Terminado o ritual das compras, Eraldo, com ajuda de seus peões Chuvisco e Fidélio, coloca os suprimentos na carroceria. Eles reservam um dos cantos livres para os latões de leite, estendem a coberta de proteção, fechando o zíper.
Tudo pronto para a partida, vaqueiros a postos, Eraldo some, desaparece como por encanto...
Fidélio observa a esposa do patrão, agitada a abrir a porta e descer. Ela se dirige ao dono do estabelecimento:
_ Ô seu Odair...
_Diga dona Rosinha, a senhora está bem? E as crianças?
Responde o homem com um sorriso.
_O Senhor sabe onde o Eraldo foi, estava aqui, ainda agorinha...
Explica Rosinha...
_ Sei não senhora... Responde Odair com olhar evasivo...
_Obrigada seu Odair, se o senhor o vir, lhe avise que eu já fui para casa caminhando. E lá se foi Rosinha, pelo atalho da mata em plena estrada de chão.
Rosinha era uma bela morena, tipo físico avantajado, um mulherão, pernas torneadas, com olhos grandes e cor de mel, voz suave, olhar doce, ancas firmes e exibia um decote generoso, num vestido com meia manga. Um padrão de beleza que nada tinha a ver com as barbies girls.
Dócil toda vida, mas ciumenta no último ponto.Uma verdadeira potranca que deixava Eraldo, doido de prazer, mas se via aqui acolá em palcos de aranha.Rosinha zangada era tão esquentada, quanto quando estava acesa de paixão, nos momentos de extravasar seu amor. O leito conjugal era quase sempre a sua fogueira cuja função que Eraldo mais apreciava era debelar todo aquele aquecimento, no belo corpo de sua mulher...Ali os dois se consumiam, se amavam, se completavam. Beijos e abraços, pele na pele sobre os lençóis.
Eraldo não costumava ser atencioso, não dava mimos a Rosinha hora nenhuma, nem um simples roçar, nas lidas do dia.. . No entanto se comunicavam muito bem através de olhares, que quase sempre definiam onde, e quando, se encontrariam, se entregariam uns nos braços do outro. Aquela era a centelha daquele amor.
Já se passara um bom tempo e ameaçava anoitecer, quando chega Eraldo e logo é informado por seu Odair e pela sua mãe que Rosinha se cansara de esperar e fora embora, pela estrada da mata...
Já acossado Eraldo, diz:
_Mas, mas.
_Mas, já é quase noite, é uma caminhada longa o trecho é perigoso... Ai,ai, ai, Rosinha! Que mulher!
O Jovem esposo desesperado chama por Chuvisco e Fidélio e segue a toda velocidade, na via do atalho da mata esperando encontrar Rosinha antes do anoitecer.
Já na metade do caminho avista ao longe sua mulher, caminhando trôpega, já demonstrando cansaço.
Aproxima-se e pára a viatura ao seu lado. Mas ela não o acolhe com o olhar, e continua a andar. Ele a segue e pára novamente. Se esgueirando entre o painel e sua mãe abre porta. Mas ela apressa o passo.
Ele apavorado desce e a agarra pelos braços, pela cintura, pelos ombros e ela a escorregar como quiabo sempre se libertava e seguia determinada. A força de Rosinha e sua teimosia, o irritavam, mas ele teria que coloca-la na caminhonete. Estava anoitecendo e ela não poderia ficar ali.
A dona Esmeralda ao ver o desatinado casal, desce rápidamente e com ajuda dos homens sobe para a carroceria. Estava com medo...
Eraldo conseguira conduzir Rosinha até o flanco direito do carro mas não conseguira que ela entrasse na cabine.
E ela avança mais ao fundo dando a volta pára junto a porta esquerda o lado do motorista, tudo sem que Eraldo a pudesse controlar. Num ato de desespero, Eraldo pede ajuda.
_Chuvisco! Fidélio! Me ajudem a colocar dona Rosinha no carro!
_Misericórdia Senhor, como vamos tocar em dona Rosinha?
Enquanto isso Rosinha esperneava e gritava segura pelos ombros, era seu marido a segurá-la por trás.
_Abre a porta Chuvisco!Vamos ela vai conseguir subir até o banco.
Fala Eraldo.
_Não patrão .
Falam os empregados em uma só voz.
_Pegue , pegue pela minha conta, um nas pernas e outro na cintura.
Diz Eraldo no final de suas forças.
Rosinha chega afinal ao banco segurada por três homens, em pânico, liberta uma das mãos e retira a chave da ignição... Joga-as longe no gramado, depois das cercas...
Naquele momento o silêncio seria total se não desse para se escutar os pássaros em revoadas para se agasalharem.
Eraldo respira e mantém a escorar, de fora da porta, enquanto Fidélio trava com seu corpo a outra, impedindo que Rosinha escapasse novamente.
O tempo passa Rosinha sossega, e vem a noite e nada deles encontrarem as chaves, se reversando sempre na procura do artefato. Eraldo se lembra afinal que o chaveiro era fluorescente. Pega sua lanterna e sai andando para as bandas que a chave havia caído, quando percebe ao longe o reflexo do chaveiro. Encontrara a chave.
Seguem para casa, calados e assim permanecem. Ao chegar Rosinha ajuda dona Esmeralda sua sogra a descer e a conduz para a casa sede. Rosinha assume a direção dos preparativos para Santa Ceia..
Fornalha no ponto, forno pré-aquecido, leitoa à pururuca, apenas colocada na estufa, para manter-se quente e crocante. Leitoa picada a assar ainda... Prossegue a lida, numa regulagem na saída de ar para graduar o fogo da fornalha e do forno.Vez por outra um lasca de lenha... Até que a mesa foi posta.
Rosinha toma banho e se arruma, Agora está mesmo quase tudo pronto.Os filhos e outros familiares, funcionários reunidos; flores a enfeitar o ambiente, sem árvore de natal, mas havia uma em um pôster colado na parede que as crianças fizeram na escola.
Ao lado da porta de entrada da sala havia uma lapinha, um presépio improvisado pelas crianças, que o criaram e executaram com todas as personagens.
Tudo à luz de velas, porque chovia muito e a força, se fora... O córrego na base da ladeira de acesso a sede estava transbordante, já sem jeito de ser atravessado, ja não dava passagem. O rigor da correnteza, fazia a água correr forte e barulhenta na bica da cozinha, a se misturar com as batidas do monjolo, na casa de farinha bem ao lado.Aquele grande martelo de madeira a bater transportava água, processava a massa da farinha preparando-a para ser escorrida e torrada. Mas não naquele momento, ali só havia mesmo o ritual do martelar a avisar a todos que tudo corria bem, que viviam padrão de harmonia e normalidade; Exceto pelos olhares assustados de Chuvisco e Fidélio, já com as suas famílias e sentados a esperar a Ceia de Natal.
Eraldo, a suspirar vez em quando, abre as orações de ação de graças. Após a benção todos iniciam o jantar.Rosinha fazendo seu prato, arrisca o primeiro olhar para seu esposo Eraldo, após a briga. Estavam um de cada lado da mesa...Surpreendida pelo olhar dele estremeceu... Ele a fitava à vista curta, deslumbrado a mercê do desejo... Aquele olhar tagarela e levado que sempre os conduzia a fazer amor, em momentos mais inesperados... Ela retribui o olhar com um ar de riso, que só ele sabia que era sorriso...
A ceia prossegue, mas ninguém percebeu a saída sorrateira do casal, ninguém percebeu dois pratos intocados à cabeceira da mesa... Ninguém percebeu dois enamorados ausentes...
Para Eraldo e Rosinha a fraternidade a emoção e a força daquele ritual natalino, havia permitido uma transformação em suas vidas, que parecia distante. Foi assim que o Menino Jesus agiu renovando suas esperanças de paz , amor e alegria no seu lar.
Estavam tocados pela forma viva da ação do amor divino, da presença divina.Aqueles corações apaixonados escaparam, escorregaram, deslizaram mas saíram incólumes, pelo perdão e reabilitados pela experiência vivida na presença de Deus.
E assim se fortaleceram para as novas lutas que este novo tempo não dispensaria, porque lutar para viver e laborar na presença de Deus é o começo, o bom começo para cada nova empreitada, cada nova viagem.
Ibernise.
Indiara (GO), 22.12.2008.
Poema Inédito.
*Núcleo Temático Romântico.
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