::10.01.2008::
1.
neste sorriso há duas mulheres
ambas escondem-se de si
e dia-a-dia se combatem
à noite (no espelho)
uma tem preso o cabelo
e gestos contidos de pólvora seca
a outra tem os cabelos soltos
como as próprias opiniões
e a expansão explosiva do vento
uma tem gestos secos, incêndio nos olhos
e no olhar, a natureza tímida e presa
a outra: a voz estala
aos roncos de um motor recém-nascido
a voz estala na carne
ao som da navalha e do fogo
2.
no mesmo sorriso há duas mulheres
ambas combatem-se ombro a ombro
como pedestres apressados
combatem-se
o timbre das ondas e a audição dura das pedras
e duro o coração faz do dia um silêncio
mas soluça a voz esquecida:
― Tícia, é do ventre de filha que nascem as mães
por isso, cuida bem como os bichos
e como os bichos, cuida do teu lar
este lar, que te origina e te dá sentido
te prende pelos ossos
e deixa teus nervos soltos ao vento
no espelho de tua alma
3.
há duas mulheres em desafio
(à noite) como sombras na parede
e nestes vestígios perpétuos
eterna é a guerra, não o sofrimento
há lembranças pontiagudas
e tiros e tiros nas palavras de todo amor
que termina
é como as balas mergulham na pele
e no rosto e nos membros duros
— como um sorriso de vidro.