Contos : 

A GAROTA DA JANELA

 

Foi a lua quem colaborou. O corpo dela se revelou quando, destacando-se entre uma penumbra e um feixe de luz vindo do céu, as minhas pernas bambearam e meu coração palpitou acelerado. De perfil, deixou à mostra as ilhargas esculturais, as coxas alvas que brilhavam com o esplendor lunar e os seios pontudos. A minúscula roupa de dormir cobria apenas as partes mais íntimas. Embora eu me encontrasse protegido pela escuridão ela parecia querer exibir para mim toda a sua beleza.
Pensei que ela quisesse se mostrar para a lua. Mas deduzi que o alvo era mesmo eu. Sem nenhuma cerimônia ocupou toda a janela feito uma Vênus que teima em ser vista apesar da forte claridade do sol. Ficou a abanar-se com o leque enquanto passava os dedos delicados sobre os mamilos e os lábios.
A insinuação me feria tanto que meu fôlego entrecortado era capaz de ser ouvido a metros de distância. Meu desejo concupiscente foi interrompido pelo ruído do telefone. Fui atender. Do outro lado uma voz feminina me perguntou quem estava falando. Não quis me identificar. A voz delicada ainda perguntou pausadamente se era da farmácia. Eu disse que não. Sem falar nada, ela demorou alguns minutos para desligar.
Voltei para meu ponto de observação, mas não havia mais ninguém. A janela tinha sido fechada, para meu desgosto.
No dia seguinte fiquei todo o tempo observando o movimento. A janela do oitavo andar não se abriu nenhuma vez. Fiquei a espreitar a portaria. Quando ela saísse, eu a reconheceria. Iria abordá-la. Sim, não podia deixar de faze-lo. De repente, num dos momentos que me descuidei, ela apareceu. A moça estava com algumas sacolas. Eu tomei um susto. Apressado tentei me colocar em sua frente, fazer-me ser observado. Indiferente ela passou pela portaria e penetrou no prédio. Fiquei decepcionado. Era ela a garota da janela, tinha certeza. Era para mim que todos os dias ela se exibia, disso eu também não tinha dúvida. O ritual já se repetia por meses. No seu inusitado streep-tease ela já tinha jogado peças íntimas sobre a minha janela, tinha mandado bilhetes lascivos, tinha feito telefonemas totalmente sensuais. Por que ela foi tão indiferente na ocasião que eu arranjei coragem para tentar ser reconhecido?
Naquela noite eu não dormiria. Também não iria espreitar a garota na janela. Eu não queria mais saber daquela ilusão. Fiquei lendo umas revistas a fim de espantar a solidão. Estava tão absorto que o sono me pegou. Despertei com o barulho da campainha. Naquele momento eu fiquei atarantado sem saber se atendia ao telefone ou a porta. Peguei o telefone do gancho e percebi que alguém acabava de desligar. Antes que eu voltasse a me apoiar no sofá a campainha voltou a soar. Meu coração voltou a pipocar dentro do peito. Dessa vez era a porta. Fui abrir. Fiquei petrificado ao ver em minha frente a garota que eu costumava ver se despindo diante do meu apartamento. Os olhos negros ficaram fincados nos meus como duas espadas a fincar meu peito. “Meu nome é Camila. Quero antes de tudo te pedir desculpas pelo incômodo...” Quando eu começava a me recuperar da surpresa ela prosseguiu: “Só queria te pedir uma coisa: pára de me bisbilhotar quando eu estiver trocando de roupa em meu quarto tá?!”
Preparei-me para retrucar, mas ela numa rapidez de pé-de-vento, deu meia volta e entrou no elevador.

JOEL DE SÁ
14/12/2008.


 
Autor
Joel Pereira de Sá
 
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