Poemas : 

As sobras do tempo

 

Hoje sobra-me tempo a mais
para dizer o que sinto
porque as horas
já conhecem os meus gestos de cor e salteado.
Acabaram-se os segredos
que por ti ainda guardava na manga
e todos os coelhos mágicos fugiram da cartola
vencidos pelo cansaço.
Resta-me os aplausos
De um público
Ludibriado por meia dúzia de palavras
Que ficaram esquecidas
E que o vento não soprou.

Então, acho que ficarei calada...
Unirei os meus dedos
E numa irmandade de sangue
Vou costurar os seus corpos
De costas voltadas
Para que não mais tentem segredar.
Talvez o meu silêncio
Possa gritar mais alto
Que todos os gritos
Que nas paredes deixei por engano.

Mete-me raiva este silêncio...
Tão cheio de tranquilidade
E de certezas falsificadas
Em papéis envelhecidos
Com a tinta demasiado desbotada
Para conseguir ler o que neles ainda dizes.
Prefiro não ver a rapidez da tua boca
Fingindo que vejo
O tempo a passar lentamente
Sem saltos bruscos
Nem espaços vazios
Que se prendam ao infinito no meu olhar.
Mas sei que hoje o tempo sobra...
Sobra-me tempo...
Tempo..
para sentir que todas as palavras de orvalho
têm demasiado tempo para murchar
abandonadas numa madrugada de pele e osso.


Daniela Pereira

 
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DanielaPereira
 
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Enviado por Tópico
Mel de Carvalho
Publicado: 25/04/2007 16:15  Atualizado: 25/04/2007 16:15
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Usuário desde: 03/03/2007
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 Re: As sobras do tempo
Unirei os meus dedos
E numa irmandade de sangue
Vou costurar os seus corpos
De costas voltadas
Para que não mais tentem segredar.


Dani, já te disse e repito: agrada-me de sobremaneira a tua poesia - um misto de dureza e doçura.

Não é possível deixar de visualizar as imagens que nos propoês ...
Sinceros parabéns.

Bjs da Mel!